segunda-feira, 27 de abril de 2020

PROCESSO DE ENFERMAGEM



O conceito 
     A ideia de Processo de Enfermagem (PE) não é nova em nossa profissão. Pelo contrário, remonta ao surgimento da Enfermagem Moderna, quando Florence Nightingale enfatizou que os enfermeiros deveriam ser ensinados a fazer observações e julgamentos acerca delas. De fato, o termo PE não existia à época, mas a recomendação de Nightingale expressa o conceito que hoje se tem acerca desta ferramenta de trabalho. 
     No Brasil, o PE foi introduzido pela Professora Wanda de Aguiar Horta, na década de 1970, que o definiu como a dinâmica das ações sistematizadas e inter -relacionadas, visando a assistência ao ser humano. Caracteriza-se pelo inter-relacionamento e dinamismo de suas fases ou passos (Horta, 1979). Na perspectiva de Horta (1979) e neste guia, ser humano ou pessoa refere-se ao indivíduo, família (ou pessoa significante), grupo e comunidade que necessitam dos cuidados de enfermagem. 
     Desde então, observou-se a inserção gradativa do PE nos currículos dos cursos de graduação em enfermagem, bem como na prática assistencial. 
     Em 1986, a Lei do Exercício Profissional da Enfermagem nº 7.498 determinou que a programação de enfermagem inclui a prescrição da assistência de enfermagem e que a consulta e a prescrição da assistência de enfermagem eram atividades exclusivas do enfermeiro. Essa Lei torna-se, portanto, um mecanismo legal que assegura ao enfermeiro a prescrição de cuidados durante a consulta de enfermagem.
     A partir da Decisão do Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (COREN-SP) - DIR/008/1999, homologada pelo Conselho Federal de Enfermagem, por meio da Decisão Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) nº 001/2000, tornou-se obrigatória a implementação da Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) em todas as instituições de saúde, públicas ou privadas, no Estado de São Paulo. Em termos de legislação profissional, destaca-se que o termo PE aparece pela primeira vez na Resolução COFEN 272/2002. 
     Anos mais tarde, o COFEN publicou a Resolução 358/2009, que dispõe sobre a SAE e a implementação do PE em todos ambientes em que ocorre o cuidado profissional de enfermagem, incluindo serviços ambulatoriais de saúde, domicílios, escolas, associações comunitárias, fábricas, entre outros. De acordo com essa Resolução, o PE deve ser realizado de modo deliberado e sistemático, e organizado em cinco etapas inter-relacionadas, interdependentes e recorrentes, a saber: coleta de dados de enfermagem ou histórico de enfermagem; diagnóstico de enfermagem; planejamento da assistência de enfermagem; implementação; e avaliação de enfermagem. 
     É somente na Resolução COFEN 358/2009 que se estabelece uma distinção entre SAE e PE. A referida Resolução considera que a SAE organiza o trabalho profissional quanto ao método, pessoal e instrumentos, tornando possível a operacionalização do PE. Este, por sua vez, é entendido como uma ferramenta metodológica que orienta o cuidado profissional de enfermagem e a documentação da prática profissional. 
     O leitor poderá encontrar outras definições ou entendimentos do que sejam a SAE e o PE, a depender do referencial utilizado pelos diferentes autores. Algumas vezes, esses termos são tratados como sinônimos, em outras não. De fato, isso pode contribuir para certa inconsistência na compreensão de tais ferramentas de trabalho do enfermeiro, bem como para a falta de clareza acerca de suas contribuições e limites. 
     Este guia tratará do Processo de Enfermagem, ferramenta utilizada para sistematizar a assistência. A definição adotada de Processo de Enfermagem será a seguinte: uma ferramenta intelectual de trabalho do enfermeiro que norteia o processo de raciocínio clínico e a tomada de decisão diagnóstica, de resultados e de intervenções. A utilização desta ferramenta possibilita a documentação dos dados relacionada às etapas do processo.
     Tendo em conta tal definição, alguns aspectos importantes acerca do PE podem ser destacados:
1- O PE serve à atividade intelectual do enfermeiro; portanto, se dá durante, e depende da relação enfermeiro-pessoa/família/comunidade que está sob seus cuidados. 
2 Se o PE serve à atividade intelectual não é concebível defini-lo como a própria documentação. A documentação é um aspecto importante do PE; é, também, uma exigência legal e ética dos profissionais de enfermagem, mas não é o PE em si. Além disso, os dados documentados podem servir para avaliar a contribuição específica da enfermagem para a saúde das pessoas, em auditorias internas ou mesmo em processos de acreditação. 
3 A utilização de uma ferramenta, por si só, não pode garantir a qualidade de um serviço prestado. No entanto, a qualidade da assistência poderá ser evidenciada com o uso do PE, mas depende de competências intelectuais, interpessoais e técnicas do enfermeiro. O bom uso desta ferramenta confere cientificidade à profissão, favorece a visibilidade às ações de enfermagem e ressalta sua relevância na sociedade.
Propriedades
 O PE tem como propósito, para o cuidado, oferecer uma estrutura na qual as necessidades individualizadas da pessoa (indivíduo, família, grupos, comunidades), possam ser satisfeitas. Para tanto, deve ser: 
• Intencional: voltado para uma meta a ser alcançada. 
• Sistemático: utilizando uma abordagem organizada em fases para atingir o seu propósito. Promove a qualidade do cuidado, pois evita os problemas associados somente à intuição, ou à produção de cuidados rotineiros. 
• Dinâmico: envolvendo mudanças contínuas, de acordo com o estado da pessoa, identificadas na relação enfermeiro-pessoa; é um processo ininterrupto. 
• Interativo: baseando-se nas relações recíprocas que se dão entre enfermeiro-pessoa, enfermeiro-família, enfermeiro-demais profissionais que prestam o cuidado como médico, fisioterapeuta, assistente social, psicólogo, dentre outros.
Flexível: pode ser aplicado em dois contextos: em qualquer local e prestação do cuidado e para qualquer especialidade; suas fases podem ser usadas de modo sequencial ou concomitante, por exemplo, ao mesmo tempo em que o enfermeiro implementa o plano de cuidado (oferece o cuidado), ele pode estar reavaliando a pessoa e realizando novos diagnósticos. 
• Baseado em teoria(s): isto é, teorias ou modelos teóricos da área de enfermagem e de outras áreas, como medicina, psicologia, sociologia, antropologia, devem sustentar a operacionalização do PE
Teorias e modelos teóricos 
     O PE é uma ferramenta que necessita sustentação teórica para a sua utilização. A preocupação com a organização do conhecimento em modelos teóricos/conceituais inicia-se na década de 1950 sendo mais enfatizado a partir da década de 1960 e 1970, existem diferentes teorias e modelos teóricos e todos eles refletem os quatro conceitos centrais ou metaparadigma da Enfermagem: 
• Pessoa: reflete o indivíduo, família, comunidade e outros grupos. 
• Ambiente: refere-se ao significante e ao ambiente ou mesmo o local onde a enfermagem ocorre. 
• Saúde: refere-se ao bem estar da pessoa, quando a enfermagem ocorre que pode ser medido do alto nível de bem estar à doença terminal. 
• Enfermagem: refere-se à definição de Enfermagem, a ação que os enfermeiros realizam em benefício e/ou em conjunto com a pessoa e as metas ou resultados das ações de enfermagem. Ações de enfermagem são vistas tipicamente como processo sistemático de coleta de dados, nomeando, planejando, intervindo e avaliando. 
     A disciplina Enfermagem está relacionada com princípios e leis que controlam processos de vida, o bem estar e o funcionamento ótimo dos seres humanos doentes ou saudáveis. Está relacionada com os padrões de comportamento humano em interação com o meio ambiente em eventos de vida normal ou situações críticas. Além disso, também está relacionada com ações de Enfermagem ou processos pelas quais mudanças positivas no estado de saúde são consequências, resultados, bem como com a totalidade ou saúde do ser humano, reconhecendo que eles estão em contínua interação com seu ambiente.
     Vários modelos conceituais/teóricos foram apresentados aos enfermeiros brasileiros, como: necessidades básicas de Horta, autocuidado de Orem, cuidado cultural de Leininger, adaptação de Roy. No nosso meio, os mais utilizados na clínica e na pesquisa a partir da década de 80 foram os de Horta e Orem. 
     Estes modelos conceituais/teóricos contribuíram com um vocabulário próprio da disciplina enfermagem. Os modelos de enfermagem têm áreas de concordância na medida em que oferecem o início e uma articulação sobre o que é enfermagem e quais são os papéis do enfermeiro; propõem maneiras de assistência de enfermagem que promovam o conforto, o bem estar e ajudem o paciente a submeter-se ao tratamento com menor dano possível; apresentam o início de uma linguagem comum sobre o receptor dos cuidados de enfermagem (ser biopsicossocioespiritual, holístico, com necessidades que precisam ser atendidas, os cuidados terão significado se sua unicidade e totalidade forem consideradas). 
     A reflexão sobre esta concordância de áreas fala a favor de uma coesão em direção a um saber e fazer próprios da profissão, diferenciando-o do modelo médico, pois as concepções de cuidado da pessoa como ser biopsicossocioespiritual, holístico, incorporam ciência, mas não aceitam que só ela seja capaz de explicar a experiência humana em relação à saúde, e à doença, de levar à cura. A abordagem holística contrasta com a visão reducionista, puramente biomédica. 
     Os modelos conceituais ou teorias de enfermagem devem ser aplicados, avaliados, criticados e reformulados, se necessário, pois não existe saber acabado, definitivo; não é possível elaborar teorias perenes sobre a realidade que é processual, um vir a ser constante. 
     Nas instituições, o modelo de cuidado adotado deve ser construído coletivamente por toda equipe de enfermagem, apoiado nos referenciais de enfermagem, e por demais referenciais que se aplicam tais como o biomédico, o epidemiológico de risco, de família, dentre outros, além das classificações de enfermagem e devem estar refletidos nas etapas do PE. 
     Nos serviços, o modelo adotado constituirá o cuidado humano e científico que se espera da enfermagem. E, se compreendido e aplicado pela equipe, tornará visíveis os fenômenos da prática de enfermagem referidos como desconhecidos por Florence Nightingale, a saber, os diagnósticos, as intervenções e os resultados.
Um modelo assistencial desenvolvido para o cuidado no Hospital São Paulo pode ser visto no capítulo 1 do livro Anamnese & exame físico: avaliação diagnóstica de enfermagem no adulto.
     A partir da década de 1970 até a década de 1990 presenciou-se o aparecimento das classificações de enfermagem (diagnósticos, intervenções e resultados de enfermagem), uma vez que a Enfermagem necessitava de linguagem própria que veiculasse os elementos da sua prática. 
     Os diagnósticos, intervenções e resultados veiculam conceitos que podem ser vistos no mundo real. Possuem uma definição conceitual e atributos tais como características definidoras e fatores relacionados ou de risco para os diagnósticos, ações para as intervenções e indicadores para os resultados. Todos tem uma base de pesquisa, aplicáveis na prática clínica e passíveis de desenvolvimento de teorias de média abrangência, próprias das ciências aplicadas como a Enfermagem, o conhecimento vem evoluindo das grandes teorias para a ênfase no estudo e desenvolvimento de conceitos, para a construção de teorias de médio porte e para as específicas a uma dada situação, passíveis de serem utilizadas no mundo atual.
     O desenvolvimento das taxonomias representa um marco na construção de teorias. Os modelos conceituais não são contestados, mas transcendidos. A consciência do esforço de organização teórica influi na percepção da necessidade de nomenclaturas, de linguagens, da classificação de fenômenos pertinentes a área de enfermagem. Para uma ciência como Enfermagem, as classificações representam uma contribuição para a construção do conhecimento e acumulação deste conhecimento. As classificações são ferramentas necessárias para a comunicação de uns com os outros. Enfermeiros, como outras pessoas, pensam com palavras, então elas necessitam de palavras para pensar acerca de fenômenos pelos quais elas respondem legalmente.      Enfermeiros não podem discernir eventos para os quais não tem palavras ou frases para pensar e o uso dos conceitos NNN (Classificação de diagnósticos de enfermagem da NANDA-Internacional, Classificação de resultados NOC e Classificação de intervenções NIC) auxilia os enfermeiros a gerar hipóteses, imaginar alternativas, e usar o ceticismo reflexivo (incerteza a respeito do pensamento), favorecendo a precisão diagnóstica. 
    Dependendo da instituição, a CIPE® (Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem) e os termos do projeto CIPESC (Classificação Internacional das Práticas de Enfermagem em Saúde Coletiva) podem representar a linguagem utilizada nas etapas do processo de enfermagem. O serviço de enfermagem da instituição onde o cuidado ocorre deve refletir na sua filosofia, nos referenciais teóricos e nas classificações que mais se aplicam à pessoa cuidada (indivíduo família, comunidade e demais grupos).
Fases ou etapas 
     A palavra processo, de acordo com o dicionário Larousse da língua portuguesa, significa sucessão de operações com vistas a um resultado definido; sistema, método. Enfermagem neste guia refere-se à disciplina científica com os seus métodos próprios de cuidado e teorias que sustentam este cuidado.       Conforme citado anteriormente, a Resolução 358/2009, produto de um trabalho colaborativo da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) e o COREN-SP, esclareceu que a execução do PE não é uma atividade privativa do enfermeiro. 
     Esta Resolução, afirma que o PE se organiza em cinco etapas: Coleta de Dados de Enfermagem (ou Histórico de Enfermagem); Diagnóstico de Enfermagem; Planejamento de Enfermagem; Implementação; e Avaliação de Enfermagem. Para fins didáticos, essas etapas são descritas separadamente e em ordem sequencial. Mas vale destacar, que assim como Horta propôs, as etapas são inter-relacionadas e, por isso, uma depende da outra. Ademais, essas etapas se sobrepõem, dado que o PE é contínuo.
Coleta de dados ou investigação 
     A coleta de dados, embora descrita como a primeira etapa do PE, ocorre continuamente. Trata-se da etapa em que o enfermeiro obtém dados subjetivos e objetivos das pessoas de quem cuida, de forma deliberada e sistemática. 
     A coleta de dados deliberada tem propósito e direção e está baseada:
1) na consciência do enfermeiro sobre seu domínio profissional e no âmbito de suas responsabilidades práticas; 
2) no claro conceito das informações necessárias para que o enfermeiro cumpra seu papel;
3) na utilização de perguntas e observações que conservem tempo e energia do enfermeiro e da pessoa.
     Uma abordagem sistemática significa que a coleta de dados é organizada e tem uma sequência lógica de perguntas e observações. O contexto situacional, isto é, as características interpessoais e físicas e a estruturação da coleta de dados, a natureza da informação e as competências cognitivo-perceptuais do enfermeiro influenciam esta etapa do PE.
No que tange ao contexto situacional, descreve quatro tipos de coleta de dados:
 • Avaliação inicial: cujo propósito é avaliar o estado de saúde da pessoa, identificar problemas e estabelecer um relacionamento terapêutico. Neste caso, a questão norteadora para direcionar a avaliação é Existe um problema? 
• Avaliação focalizada: tem como finalidade verificar a presença ou ausência de um diagnóstico em particular. Para este tipo de avaliação, o enfermeiro deve se nortear pelas seguintes questões: O problema está presente hoje? Se está, qual é o status do problema? 
• Avaliação de emergência: utilizada em situações em que há ameaça à vida. Neste caso, a questão que deve nortear a avaliação é Qual é a natureza da disfunção/do problema?
• Avaliação de acompanhamento: é realizada em determinado período após uma avaliação prévia. Para este tipo de avaliação, o enfermeiro deve ter em mente a seguinte pergunta norteadora: Alguma mudança ocorreu ao longo do tempo? Se ocorreu, qual foi sua direção (melhora ou piora)? 
     Como regra geral, a avaliação é realizada na admissão da pessoa no serviço de saúde, seja hospital, ambulatório, instituição de longa permanência, ou outros. Todavia, a depender do estado de saúde da pessoa, não é possível completar a avaliação num único momento. Por isso, é importante que os serviços de saúde estabeleçam em seus manuais e procedimentos operacionais em quanto tempo se espera que o enfermeiro complete a avaliação, considerando-se as características das pessoas atendidas, a demanda das unidades, dentre outros fatores que podem influenciar a coleta de dados.
     Para coletar dados, o enfermeiro necessita de um instrumento de coleta que sirva de guia e que reflita a pessoa a ser cuidada e o ambiente onde o cuidado é prestado. Independente do tipo de coleta de dados (inicial, focalizada, de emergência ou de acompanhamento), é fundamental que o enfermeiro tenha clareza do(s) modelo(s) teórico(s) que dá(dão) sustentação para essa atividade, ou seja, qual lente está utilizando para organizar sua coleta de dados e guiar seus julgamentos.  
     As Necessidades Humanas Básicas podem ser o arcabouço do instrumento de coleta de dados e autores como Benedet e Bub (2001) correlacionaram as necessidades humanas com os diagnósticos da NANDA-I. Instrumentos de coleta de dados podem, ainda, ser construídos com as concepções de Orem, de Roy, o modelo dos Padrões Funcionais de Saúde, o modelo biomédico, o modelo epidemiológico de risco, a teoria do estresse, ou outros. Para a elaboração do instrumento de coleta de dados, um ou mais referenciais podem ser utilizados. Contudo, deve-se considerar que essa escolha seja adequada para revelar os dados de interesse para o cuidado de enfermagem. 
     Na prática clínica, por exemplo, a utilização de um instrumento de coleta de dados, apoiado na tipologia de Gordon (Padrões Funcionais de Saúde), que reflita a possibilidade da coleta de dados da pessoa nas dimensões biopsicossocioespiritual, holística, favorece o raciocínio clínico e o julgamento diagnóstico quando se utiliza a classificação da NANDA-Internacional (NANDA-I).
   Os referenciais que sustentam o instrumento devem permitir, portanto, a identificação de diagnósticos de enfermagem relacionados a causas tratáveis pelos enfermeiros, por meio das suas intervenções/ações de cuidado, visando à obtenção de resultados. Para tanto, o enfermeiro necessita de conhecimentos científicos, de habilidade técnica, de habilidade interpessoal, e de raciocínio clínico e pensamento crítico para realizar a coleta de dados, que consta da entrevista e do exame físico.
      A intuição é um requisito que contribui na busca de pistas para a inferência diagnóstica, mas esta muitas vezes está relacionada ao conhecimento clínico prévio do diagnosticador. Os conhecimentos científicos requeridos são os da ciência da enfermagem, e das ciências da saúde tais como, anatomia, fisiologia, farmacologia, epidemiologia, ciências médicas, ciências humanas e sociais, dados laboratoriais, de imagem e eletrocardiográficos e, demais dados necessários ao raciocínio clínico. Requer-se também o conhecimento da propedêutica: inspeção, palpação, percussão e ausculta, além de conhecimento das classificações de diagnóstico de enfermagem mais conhecidas e utilizadas como a NANDA-I e a CIPE.
    Destaca-se que durante a coleta o enfermeiro deve investigar dois tipos de dados: objetivos e subjetivos. Os primeiros são investigados pelo enfermeiro por meio de seus órgãos dos sentidos com ou sem auxílio de instrumentais específicos, como esfigmomanômetro, balança, estetoscópio, termômetro, dentre outros. Os dados subjetivos, por sua vez, são obtidos por meio de perguntas ou de instrumentos validados cientificamente e que necessitam da confirmação da pessoa. Para tanto, a coleta de dados deve ser realizada em ambiente calmo, iluminado e sem interrupções e pautada nos princípios éticos que norteiam a profissão. 
    Ao examinar, o enfermeiro deve demonstrar interesse genuíno pela pessoa que está sendo examinada, e demais atributos referidos na arte do cuidado, como o desvelo e a compaixão. Deve realizar o seu julgamento clínico sem juízo de valor, respeitando a cultura, a condição social, a orientação sexual, o gênero, a idade e o momento enfrentado pela pessoa.
    Neste contexto, para se tornar um bom diagnosticador, é necessário tempo, experiência clínica, estudo contínuo, humildade e a confirmação dos dados de partida com colegas e com a pessoa sob os cuidados ou mesmo familiares. 
Em termos da natureza do dado a ser coletado, é importante que o enfermeiro tenha clareza de que os dados são probabilísticos. Isso quer dizer que eles não são indicadores perfeitos ou exatos do estado de saúde ou do problema apresentado pela pessoa. Nesse contexto, a qualidade da informação, mais do que a quantidade, é importante para o julgamento diagnóstico. Portanto, os enfermeiros devem estar preocupados com a obtenção de dados: 
Válidos: aqueles que representam as propriedades da resposta humana que está sendo julgada; como exemplo, o relato verbal de dor pode ser considerado um dado válido para se afirmar o diag- nóstico Dor (Aguda ou Crônica), por outro lado, o relato verbal de ocorrência de edema ao final do dia não parece ser um dado válido para se afirmar o diagnóstico Débito Cardíaco Diminuído. 
Confiáveis: obtidos por meio de instrumentos acurados e que são represen- tativos da resposta humana; neste caso, pode-se considerar desde a utilização de equipamentos calibrados, como uma balança ou esfigmomanômetro.
Relevantes: são os dados válidos, porém levando-se em conta o propósito a coleta de dados; por exemplo, a observação da presen- ça de edema pode ser um dado válido para o diagnósti- co Débito Cardíaco Diminuído, porém a informação de que ele ocorre ao final do dia torna o dado pouco relevante para esse diagnóstico. 
    Outro aspecto importante durante a coleta de dados é que o enfermeiro deve estar preocupado em conhecer a história pregressa e atual de saúde da pessoa. Isto inclui estado de saúde, pontos fortes ou a respostas a problemas reais ou potenciais. A história pregressa é importante porque pode servir como uma linha de base para a interpretação da história atual. Mas, como distinguir os dados que pertencem à história pregressa e à história atual? De fato, os dados que se referem à história pregressa são aqueles que pertencem ao passado e descrevem como determinados dados costumavam se apresentar. Por exemplo, ao perguntar à pessoa como é o seu padrão de eliminação vesical, o enfermeiro está interessado em conhecer como esse padrão costumava ser. Por sua vez, os dados que pertencem à história atual se referem a como a pessoa está neste momento e, portanto, auxiliam na determinação de alterações agudas ou graduais.
   Em síntese, a coleta de dados é uma etapa essencial do PE. A validade, a confiabilidade e a relevância dos dados poderão ser determinantes para a acurácia (precisão) dos diagnósticos de enfermagem e definir o sucesso das etapas diagnóstica, de planejamento, de implementação e de resultados.
Diagnóstico de enfermagem 
     O diagnóstico de enfermagem pode ser definido como o julgamento clínico sobre as respostas humanas reais ou potenciais apresentadas por indivíduos, famílias e comunidades a problemas de saúde ou processos de vida. Fornece a base para a seleção de intervenções para atingir resultados pelos quais o enfermeiro é responsável. Dado que se refere às respostas humanas, é válido afirmar que os diagnósticos de enfermagem dizem respeito à maneira como indivíduos, famílias e comunidades reagem a situações ou ao significado que atribuem a determinados eventos.
     É o foco de interesse da enfermagem na saúde das pessoas que a diferencia, dentre outras coisas, das demais profissões da área da saúde. Gordon destaca que o foco de interesse da enfermagem são as necessidades de saúde e de bem-estar dos indivíduos, famílias e comunidades. Assim, os problemas clínicos de interesse para os enfermeiros derivam da interação entre o organismo humano e o ambiente. 
     Esta etapa do PE ocorre em duas fases, a de processo e a de produto. A fase de processo envolve o raciocínio diagnóstico, ou seja, um processo em que o conhecimento científico, a experiência clínica e a intuição são evocados de forma complexa (pensamento intelectual-razão). Por meio do raciocínio diagnóstico, há o desenvolvimento da habilidade cognitiva, ou seja, habilidade de raciocinar crítica e cientificamente, sobre os dados coletados, permitindo sua obtenção e interpretação, a comparação entre eles com padrões de normalidade, o seu agrupamento em padrões, que pode denominar um fenômeno. Cabe também, a busca de novos dados que estejam faltando, permitindo a inferência de um diagnóstico, ou mesmo de uma hipótese diagnóstica e, ao final deste processo, a confirmação ou não das hipóteses. 
   Este tipo de pensamento é solitário, requer racionalidade, reflexão, intenção, apresentando, portanto, similaridade com as etapas do método científico, daí a requerer do diagnosticador, como dito anteriormente, habilidade cognitiva (habilidade para pensar sobre determinado evento), habilidade para obter dados (subjetivos e objetivos), conhecimento científico e experiência clínica. O raciocínio diagnóstico no novato é do tipo indutivo, pois o mesmo ainda não reúne tempo de experiência clínica que lhe permite o raciocínio dedutivo, encontrado nos enfermeiros com mais experiência clínica, e de evidência ao aparecimento do mesmo na dada situação clínica. Assim, no raciocínio indutivo, os dados serão coletados um a um, comparados com a normalidade e a anormalidade para só após serem agrupados e comparados a padrões que permitem a sua denominação diagnóstica. Em contrapartida, o enfermeiro experiente denomina o diagnóstico e só depois busca pela confirmação do mesmo ao coletar dados que confirmem esta dedução, e ao pensar na evidência do mesmo, à dada situação clínica. Há de se destacar que se uma dada situação é nova, o enfermeiro com mais experiência também utiliza o raciocínio indutivo, juntamente com o dedutivo. 
     A fase de produto, por sua vez, é a da denominação do diagnóstico escolhido com o seu título, sua definição, a lista dos atributos que o caracterizam e a lista dos atributos que contribuíram para o seu surgimento (fatores relacionados). Para comunicar as decisões sobre os diagnósticos de enfermagem (produto) do indivíduo, da família ou da comunidade, é importante que se utilize um sistema de linguagem padronizada. Há sistemas de linguagem específicos da enfermagem, como a Classificação de diagnósticos da NANDA-I, CIPE, o Sistema Omaha, o Sistema de Classificação de Cuidados Clínicos de Sabba. Também existem sistemas de classificação que podem ser compartilhados com outros profissionais da saúde, como é o caso da Classificação Internacional de Funcionalidade e Saúde (CIF) e a Classificação Internacional de Atenção Primária (CIAP). 
Planejamento de enfermagem 
   Esta etapa envolve diferentes atores como a pessoa sob os cuidados de enfermagem e os procedimentos necessários para promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da sua saúde, além do local onde o cuidado ocorrerá. A família ou pessoa significativa, a equipe de enfermagem, a equipe de saúde, os serviços disponíveis para que o cuidado aconteça, também estão inseridos neste processo de planejamento. Pode ser compreendido por meio de seus componentes, isto é, o estabelecimento de diagnósticos de enfermagem prioritários, a formulação de metas ou estabelecimento de resultados esperados e a prescrição das ações de enfermagem, que serão executadas na fase de implementação. 
   A priorização dos diagnósticos de enfermagem pode ser realizada segundo sua importância vital, em problemas urgentes (aqueles que não podem esperar e Esta etapa envolve diferentes atores como a pessoa sob os cuidados de enfermagem e os procedimentos necessários para promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da sua saúde, além do local onde o cuidado ocorrerá. A família ou pessoa significativa, a equipe de enfermagem, a equipe de saúde, os serviços disponíveis para que o cuidado aconteça, também estão inseridos neste processo de planejamento. Pode ser compreendido por meio de seus componentes, isto é, o estabelecimento de diagnósticos de enfermagem prioritários, a formulação de metas ou estabelecimento de resultados esperados e a prescrição das ações de enfermagem, que serão executadas na fase de implementação. 
   A priorização dos diagnósticos de enfermagem pode ser realizada segundo sua importância vital, em problemas urgentes (aqueles que não podem esperar e A NOC propõe uma série de resultados e para cada um deles há diversos indicadores e uma escala de Likert para que os enfermeiros possam avaliar continuamente a resposta das suas ações. A NIC propõe uma série de intervenções e para cada intervenção há diversas atividades que deverão ser prescritas e implementadas. A CIPE, por sua vez, possui os termos do eixo de ações que podem ser utilizados para construir a intervenção de enfermagem ou utilizar conceitos pré-determinados de intervenções presentes neste sistema de classificação. Para o planejamento da assistência, podem-se utilizar modelos teóricos da administração de acreditação ou mesmo o primary nurse (enfermeiro de referência do paciente), sendo que este coleta os dados, diagnostica, planeja o cuidado. Ele também pode oferecer o cuidado, mas prescreve para demais profissionais de enfermagem, inclusive outros enfermeiros, orienta o paciente, atende aos seus chamados. A atividade intelectual inserida no processo de planejamento envolve, além de ordens verbais, a documentação com registro de metas a serem alcançadas para os diagnósticos identificados.
   É a execução, pela equipe de enfermagem (enfermeiro, técnico e auxiliar de enfermagem), das atividades prescritas na etapa de Planejamento da Assistência. Em outras palavras, é o cumprimento pela equipe de enfermagem da Prescrição de Enfermagem. Nesta etapa coloca-se o plano em ação. As intervenções/atividades de enfermagem podem ser independentes dos demais profissionais da saúde e relacionadas aos diagnósticos de enfermagem, dependentes de recomendação médica como administração de medicamentos e interdependentes com demais profissionais da saúde. Além disso, as intervenções/atividades de enfermagem podem ser de cuidado direto ou indireto. As intervenções/atividades de cuidado direto se referem àquelas realizadas diretamente para a pessoa. As de cuidado indireto são aquelas realizadas sem a presença da pessoa; são intervenções de coordenação e controle do ambiente onde o cuidado é oferecido. Estas intervenções/atividades de cuidado indireto também devem ser prescritas, como as de cuidado direto, pois as atividades de enfermagem que visam o controle do ambiente do cuidado não são menos importantes que aquelas de cuidado direto.
   Nesta etapa, toda equipe pode e deve realizar anotações relacionadas às intervenções/atividades prescritas pelo enfermeiro sejam elas independentes, dependentes ou interdependentes. Estas anotações contribuem significantemente na reavaliação da pessoa cuidada a ser realizada pelo enfermeiro (avaliação/evolução de enfermagem), e são importantes também para a reavaliação dos demais profissionais de saúde.
Avaliação
É um processo deliberado, sistemático e contínuo de verificação de mudanças nas respostas do indivíduo, da família ou da comunidade em um dado momento; para determinar se as intervenções/atividades de enfermagem alcançaram o resultado esperado, bem como a necessidade de mudanças ou adaptações, se os resultados não foram alcançados ou se novos dados foram evidenciados. É, portanto, o que se conhece como evolução de enfermagem. A avaliação pode ser de estrutura, de processo ou de resultado. A avaliação de estrutura refere-se aos recursos materiais humanos e financeiros, que garantem um mínimo de qualidade à assistência. A de processo inclui o julgamento do cuidado prestado pela equipe e, a de resultado refere-se à satisfação da pessoa durante e após o cuidado; busca-se verificar a mudança no comportamento e no estado de saúde da pessoa a partir da assistência prestada. Na avaliação/evolução as seguintes perguntas devem ser feitas: Os resultados esperados foram alcançados? Os indicadores se modificaram? Se não, por quê? Nesta análise, vários fatores devem ser considerados: O diagnóstico de partida era acurado? As intervenções/atividades de enfermagem foram apropriadas para modificar os fatores que contribuem para a existência do diagnóstico? As intervenções/atividades alteraram as manifestações do diagnóstico? Assim, a avaliação/evolução exige a revisão do plano de cuidados no que concerne aos diagnósticos de enfermagem, os resultados esperados e alcançados e as intervenções/atividades de enfermagem implementadas. 
   O registro da avaliação/evolução pode ser descritivo. Neste caso, o enfermeiro sintetiza sua avaliação do paciente, destacando a resolubilidade ou não dos diagnósticos de enfermagem e/ou das suas manifestações e fatores contribuintes. Pode-se optar por registrar a avaliação/evolução por meio das alterações ocasionadas nos diagnósticos de enfermagem. Neste caso, o enfermeiro registra se eles estão inalterados (ou seja, não se modificaram), pioraram, melhoraram ou estão resolvidos. Outra forma de se registrar a avaliação/evolução é por meio das alterações dos indicadores dos resultados NOC, conforme suas escalas de mensuração.

Fonte: Processo de enfermagem: guia para a prática / Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo ; Alba Lúcia B.L. de Barros et al – São Paulo : COREN-SP, 2015. 113 p.

sábado, 18 de abril de 2020

DOENÇA PÉPTICA


1. Conceitos em fisiologia
     A mucosa do fundo e do corpo gástrico possui glândulas oxínticas, que secretam o suco gástrico. O principal tipo celular das glândulas oxínticas é a célula parietal, responsável pela secreção de íons hidrogênio (HCl – ácido clorídrico). A bomba de prótons H+/K+ ATPase reside na membrana microvilosa apical, com função de translocação de prótons na secreção ácida. As células principais (zimogênicas) predominam na camada profunda das glândulas oxínticas e têm papel na síntese e secreção dos pepsinogênios I e II. Uma vez no lúmen gástrico (via liberação dos grânulos zimogênios do citoplasma), o pepsinogênio é convertido em pepsina. secreção ácida é mediada pelas seguintes substâncias endógenas: 
Acetilcolina: liberada pela estimulação vagal do estômago (visão, paladar, olfato, mastigação). Age estimulando as células parietais;
Histamina: produzida pelas células enterocromafins (ECFs) da mucosa gástrica, situadas próximas às células parietais. Age estimulando as células parietais;
Gastrina: produzida pelas células G do antro gástrico, em resposta ao aumento do pH e à presença de proteínas na luz. A gastrina estimula as ECFs, que produzem histamina para estimular a secreção de HCl pelas células parietais;
Somatostatina: produzida pelas células D do antro gástrico (que ficam lado a lado com as células G), em resposta à redução do pH. Inibe a produção de gastrina.

2- Fisiopatologia

Estimulação
Inibição
Cefálica
·         Visão e calor;
·         Estimulo vagal via acetilcolina;
·         Ação na célula parietal.
·         Via vagotomia: mecanismo de feedback (-);
·         Inibição da secreção acida e produção de gastrina.
Gástrica
·         Estimulo mediado pela gastrina;
·         Ação na célula parietal;
·         Quando o alimento chega ao estomago.
* Maior importância, iniciando-se quando pH ≤2;
* Supressão da secreção de gastrina;
* Mediação pela somatostatina;
* Inibição da secreção acida pela distensão antral.
Intestinal
* Quando o alimento chega ao duodeno;
* Menor importância;
* Via gastrina produzida no duodeno.
* Produto digerido atingindo o delgado;
* Acidificação do duodeno inibindo a secreção acida;
* Mediação pela secretina e somatostatina;
* Peptidios y.

Úlcera gástrica

A doença resulta da redução da defesa normal da mucosa contra o ácido luminar e substâncias irritantes, além de alteração da cicatrização da mucosa. O H. pylori é um importante fator de risco e pode ser encontrado em 65 a 95% dos pacientes com úlceras gástricas e 80 a 95% dos acometidos por úlceras duodenais. Os AINEs, via inibição da síntese de prostaglandinas, afetam a quantidade de ácido gástrico produzido, a integridade da barreira mucosa, a quantidade de bicarbonato e glutationa sintetizado e a taxa do fluxo sanguíneo mucoso. As úlceras gástricas proximais ao antro distal e à região pré-pilórica são usualmente associadas à secreção ácida normal-baixa ou baixa, refletindo na diminuição nas células parietais. Em contraste, pacientes com úlceras no antro distal ou associadas a úlcera duodenal têm secreção ácida normal ou elevada.

3- Classificações
As principais classificações levam em conta a localização (Johnson) e o aspecto endoscópico macroscópico (Sakita).
Clínica cirúrgica
4- Diagnóstico

     O quadro clínico da úlcera gástrica caracteriza-se por epigastralgia que piora com a alimentação, geralmente após 30 minutos, com episódios mais longos e severos do que a úlcera duodenal, com dor classicamente dividida em 4 tempos (sem dor – “come-dói-passa”). A clássica dor da úlcera duodenal ocorre quando o ácido é secretado na ausência de um tampão alimentar. O alimento é usualmente bem esvaziado 2 a 3 horas após as refeições, mas a secreção ácida estimulada pelo alimento persiste por 3 a 5 horas; portanto, o clássico sintoma ocorre de 2 a 5 horas após as refeições. Sintomas também ocorrem à noite, entre 23 e 2 horas, quando a estimulação circadiana da secreção ácida é máxima.
     Atualmente, a endoscopia digestiva alta é o exame de maior acurácia para o diagnóstico. Também possibilita a pesquisa de H. pylori por meio de biópsia da mucosa (histologia) ou de teste da uréase, além de permitir biópsia da lesão ulcerosa gástrica para diagnóstico diferencial com neoplasia gástrica precoce. Toda úlcera gástrica deve sofrer biópsia, e deve ser realizada nova endoscopia com biópsia após tratamento para excluir malignidade. A biópsia da úlcera duodenal não é indicada, exceto úlceras refratárias ou sugestivas de malignidade. Úlceras refratárias ao tratamento necessitam de dosagem sérica de gastrina.

5. Complicações
A - Perfuração
     Em cerca de 7% dos hospitalizados por úlcera péptica, ocorre perfuração. Trata-se da causa mais habitual de abdome agudo perfurativo, levando a óbito em 15% dos casos, com risco maior entre idosos, mulheres e portadores de úlceras gástricas.
     Os principais fatores de risco são uso de AINEs (principal causa), imunossupressão (uso de esteroides, pós-transplantes), idosos, doença pulmonar obstrutiva crônica, grandes queimados e falência de múltiplos órgãos no choque.
     Dor epigástrica repentina, podendo ou não irradiar-se para o ombro, geralmente abre o quadro. A confirmação é realizada pelo quadro clínico e por exame radiológico mostrando pneumoperitônio.
     Na úlcera duodenal, faz-se sutura da úlcera, podendo-se usar o omento para reforço, e, caso o paciente se encontre estável, pode associar-se a vagotomia truncal para diminuir o risco de recidiva, associada a piloroplastia. Na úlcera gástrica, é necessário descartar lesão neoplásica, e a biópsia é obrigatória. Em pacientes estáveis, com úlcera distal crônica, tende-se a optar por antrectomia.
B - Sangramento
O sangramento ocorre em, aproximadamente, 20% dos pacientes com úlcera duodenal e, além de ser mais comum nessa do que na gástrica, é 4 vezes mais comum do que a perfuração. O uso de AINEs é o principal fator de risco. Clinicamente, manifesta-se como hematêmese, melena ou ambas. O tratamento inicial visa à estabilização hemodinâmica, com reposição volêmica à custa de cristaloides e sangue, associado ao uso de bloqueadores da bomba de prótons. O uso precoce de inibidores de bomba intravenosos promove rápida cicatrização da úlcera e diminui as taxas de ressangramento. O tratamento sugerido é omeprazol, pantoprazol ou esomeprazol intravenoso em bolus de 80mg, seguido por infusão contínua de 8mg/h. Sem ressangramento
após 72 horas, o tratamento é substituído por dose padrão do inibidor de bomba (omeprazol 20mg VO, 1x/d). A endoscopia fornece o diagnóstico, verifica se há sangramento ativo e possibilita o tratamento por meio, de preferência, de terapêutica combinada – escleroterapia da úlcera mais tratamento térmico ou mecânico.
     Estigmas endoscópicos de sangramento recente como sangramento ativo (em jato ou babação), vaso visível ou coágulo aderido têm risco aumentado de sangramento recorrente e requerem tratamento endoscópico para diminuir esse risco. As indicações de cirurgia incluem falha da endoscopia no controle do sangramento, necessidade de transfusão de mais de 4 unidades de concentrado de hemácias nas primeiras 24 horas, ou hemorragia persistente após 48 horas.

6. Tratamento clínico
A maioria dos pacientes com úlcera gástrica responde bem ao tratamento clínico. Orienta-se a suspensão de fatores irritantes, como AINEs, álcool e fumo. Dentre os medicamentos, preconizam- se aqueles que atuam contra a hipersecreção ácida.
CLASSES FARMACOLÓGICAS
EXEMPLOS
MECANISMOS DE AÇÃO
Antiácidos
Hidróxido de alumínio,
Hidróxido de magnésio
Neutralizam o ácido clorídrico no estomago (reação química), formando agua e cloreto de alumínio e resultando no Aumento do pH gástrico. Há cicatrização de, aproximadamente, 60% em 4 semanas em usuários de anti-inflamatórios não hormonais. Podem ser usados como coadjuvantes.
Antagonistas dos receptores
H2 de histamina
Cimetidina, ranitidina,
Famotidina
Bloqueiam a secreção acida por intermédio da obstrução dos receptores da histamina. Ha cicatrização em 70 A 80% após 4 semanas e de 80 a 90% após 8 semanas. Podem ser utilizados quando os bloqueadores não são acessíveis.
Inibidores da bomba de
Prótons’
Omeprazol, pantoprazol,
Lansoprazol
Ligam-se ao sistema H/K-ATPase (bomba de prótons) da Célula parietal, inibindo a secreção de íons de hidrogênio para a luz do estomago. A cicatrização da ulcera e mais Rápida do que com o tratamento com antagonistas dos Receptores de histamina.
Sucralfato
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Sal de alumínio com sacarose sulfatada. Dissocia-se com o ácido do estomago e liga-se a proteína na parede Gástrica no local da ulcera, formando uma camada protetora que impede a ação erosiva da pepsina. Pode ser usado em associação a outros medicamentos.

O regime mais indicado como 1ª linha no tratamento do H. pylori é a terapia tripla com inibidor da bomba de prótons (omeprazol 20mg, 2x/d, amoxicilina 1g, 2x/d, e claritromicina 500mg, 2x/d), por 7 a 14 dias.

7. Tratamento cirúrgico
     O tratamento cirúrgico é reservado, atualmente, às complicações e urgências, como hemorragia (quando não se obtém o controle endoscópico), perfuração e obstrução. Indica-se cirurgia para os raros casos refratários ao tratamento clínico. O procedimento cirúrgico de escolha na úlcera gástrica é a antrectomia ou hemigastrectomia, sempre englobando a úlcera (pois é fundamental o estudo anatomopatológico para exclusão de doença maligna). A menos que o paciente tenha úlcera pré-pilórica ou duodenal concomitante, a vagotomia não se mostra capaz de diminuir os índices de recidiva, portanto não é indicada. Para a maioria dos pacientes com úlcera gástrica tipo 1, é recomendada gastrectomia distal com reconstrução à Billroth I ou II, pois esse manejo remove a úlcera e o antro doente. Nas úlceras tipo 2, antrectomia e vagotomia formam o tratamento de escolha.
     O princípio da cirurgia da úlcera péptica duodenal é associar um procedimento que diminua a secreção ácida por meio de vagotomia ou gastrectomia com ressecção do maior número possível de células produtoras de ácido. Deste modo, necessita-se, também, de um procedimento de drenagem, uma vez que a vagotomia foi realizada (podendo ocasionar estase gástrica), que pode ser gastroenteroanastomose (BI, BII ou em Y de Roux) ou piloroplastia. Seguem descrições de tratamento cirúrgico na úlcera duodenal:
Vagotomia troncular ou seletiva + piloroplastia: A secção deve ser feita adjacente à porção intra-abdominal do esôfago, acima dos ramos
celíaco e hepático; pela secção do ramo hepático, pode ocasionar colelitíase, justificando colecistectomia associada ao procedimento.
Vagotomia superseletiva: São sinônimos vagotomia das células parietais e vagotomia gástrica proximal. Preserva a inervação pilórica e dissecam-se os nervos de Latarjet da pequena curvatura do estômago, de um ponto de cerca de 7cm proximais ao piloro até outro ponto, pelo menos, 5cm proximais
à junção gastroesofágica (no esôfago). Em centros especializados, a recidiva com essa técnica gira em torno de 10 a 15%, ligeiramente maior do que a vagotomia + piloroplastia.Vagotomia troncular + antrectomia: É a técnica mais efetiva, com menor índice de recidiva (menor que 2%), entretanto é a mais mórbida. Pode ser realizada, também, a hemigastrectomia sem necessidade da vagotomia, pois nesse caso são retiradas mais células produtoras de ácido.

Fonte: Revalida Resumão - Clínica cirúrgica - MEDCEL, 2017.