sexta-feira, 9 de março de 2012

TEORIAS BIOLÓGICAS DO ENVELHECIMENTO



TEORIAS BIOLÓGICAS DO ENVELHECIMENTO
Emilio Antonio Jeckel-Neto e Gilson Luis da Cunha

Durante séculos, o estudo da longevidade e do envelhecimento
em seres vivos foi relegado a um papel meramente acessório nas diferentes disciplinas da Biologia. Estudos de genética, bioquímica, fisiologia e ecologia abordavam superficialmente temas ligados ao envelhecimento, sem, contudo, se ocuparem da elaboração de convenções instrumentais ou de terminologia que pudessem ser usadas para facilitar a exploração dos mesmos. Até então, estudos sobre mudanças nas propriedades morfofuncionais de indivíduos ou de populações com o passar do tempo constituíam pouco mais do que uma curiosidade, explorada mais por diletantismo do que por qualquer outra razão. O século XX viria a mudar esse cenário radicalmente por dois motivos: primeiro, nunca em toda a história da humanidade, populações apresentaram expectativas de vida tão altas, fruto, principalmente, da implantação de políticas de saúde pública e de medicina preventiva, tais como vacinação contra diversas moléstias infecto-contagiosas e planejamento e controle sanitário; segundo, coincidentemente, nunca, em toda a história da Biologia, o instrumental
disponível para pesquisa foi tão avançado, permitin?o aos investigadores níveis de abordagem impossíveis até então. E o. caso da biologia molecular. Esses foram os principais fatores que impulsionaram o desenvolvimento da assim chamada Biologia do Envelhecimento. Essa jovem disciplina floresceu, muito recentemente, como parte do esforço para integrar contribuições vindas de diferentes campos da Biologia. Inicialmente, a abordagem biológica do processo de envelhecimento deu-se do ponto de vista fisiológico e, mais tarde, bioquímico. Com o avanço do conhecimento genético, cresceu também a busca por padrões de hereditariedade da longevidade. A partir da década de 40, abordagens a partir dos conhecimentos sobre a evolução dos seres vivos foram incorporando uma série de novos conceitos, permitindo uma avaliação mais profunda do tema
do envelhecimento. Isso ocorreu em grande parte devido ao dilema imposto pelo pensamento evolutivo: se a seleção natural atua no sentido de prover maior sucesso reprodutivo aos indivíduos mais bem adaptados, qual o papel dos indivíduos de idade avançada no contexto evolutivo? Esse avanço conceitual, combinado com o conhecimento básico já acumulado em bioquímica e fisiologia de eucariontes, somado ao advento da biologia molecular, deu um impulso muito grande à formulação de teorias e hipóteses que tentam explicar o fenômeno do envelhecimento dos seres vivos.
Conceitos Fundamentais .
Dada a variedade de abordagens aos temas envelhecimento e longevidade, é importante estabelecer alguns conceitos básicos. Porém, devido à sua breve existência, a pesquisa biogerontológica enfrenta a dificuldade de estabelecer convenções a respeito da terminologia empregada por diferentes autores.
Apesar de não estar estabelecido oficialmente, o termo envelhecimentoé freqüentemente empregado para descrever as mudanças morfofuncionais ao longo da vida, que ocorrem após a maturação sexual e que, progressivamente, comprometem a capacidade de resposta dos indivíduos ao estresse ambiental e à manutenção da homeostasia. Porém, vários pesquisadores definem envelhecimento como "o que acontece com um organismo com o passar do tempo". Se, por um lado, existem funções que não são significativamente alteradas pela idade, como a troca de células do epitélio intestinal, é necessário lembrar que o envelhecimento apresenta
como única característica universal a ocorrência de mudanças ao longo do tempo, independentemente de terem ou não efeito deletério sobre a vitalidade e a longevidade. Do ponto de vista do rigor científico, surge, então, a seguinte pergunta: a similaridade entre as palavras empregadas para descrever envelhecimento garante a precisão do conceito? Essa questão é de fundamental importância, pois a articulação entre conceitos e definições é que possibilita o estabelecimento de uma estrutura lógica de conhecimentos capaz de explicar, elucidar, interpretar ou unificar um dado conjunto de fenômenos por meio de uma teoria. O envelhecimento não é só a soma de patologias agregadas e de danos induzidos por doenças. Inversamente, nem todas as mudanças em estrutura e função dependentes da idade podem ser consideradas como alterações fundamentalmente ligadas à idade por si só. Num esforço para incorporar esse rigor dentro de uma definição operacional, foi proposto que as mudanças fundamentais relacionadas com a idade devem obedecer a quatro condições:
1. Devem ser deletérias, ou seja, devem reduzir a funcionalidade.
2. Devem ser progressivas, isto é, devem se estabelecer gradualmente.
3. Devem ser intrínsecas, isto é, não devem ser o resultado de um
componente ambiental modificável. Cabe ressaltar, aqui, que
o ambiente tem forte influência sobre o aparecimento e velocidade
dessas mudanças, apesar de não ser a sua causa.
4. Devem ser universais: todos os membros de uma espécie deveriam mostrar tais mudanças graduais com o avanço da idade. Por esses motivos, surge o termo senescênciapara descrever as mudanças que ocorrem num organismo, relacionadas com a idade, afetando adversamente sua vitalidade e funções, porém, mais significativamente, aumentando a taxa de mortalidade em função do tempo. Senilidadeseria o estágio final da senescência, quando o risco de mortalidade beira os 100%. É preciso ressaltar, porém, que o tempo é uma variável independente. Em vez de usar o calendário para medir o envelhecimento, é preciso encontrar maneiras de usar as mudanças em variáveis fisiológicas importantes para medir o envelhecimento Quanto ao termo loneevidade,apresenta como dificuldade principal a existência de diversidade de padrões de desenvolvimento e o tempo de maturação em diferentes organismos. Embora a literatura em biogerontologia freqüentemente tome como longevidade o tempo transcorrido entre o nascimento e a morte, muitas espécies possuem desenvolvimento especialmente prolongado, ou longa existência em estágios juvenis e breves períodos de vida adulta.
o Fenômeno do Envelhecimento
A percepção do fato de que os organismos vivos envelhecem não gera controvérsias. A partir da simples observação da realidade, é possível perceber esse fenômeno. Pode-se, também, planejar e executar estratégias de investigação para identificar e analisar vários aspectos do envelhecimento. Porém, vários pontos de controvérsia surgem no momento de estabelecer indicadores para as variáveis envolvidas no processo. Ao surgir discordância sobre quais seriam os indicadores capazes de identificar ou mensurar as variáveis envolvidas no fenômeno, estabelece-se a dificuldade de construir conceitos fundamentais que possam ser articulados em construções lógicas explicativas do envelhecimento. Essa variedade de conceitos, muitas vezes conflitantes, que procuram representar as variáveis envolvidas no processo de envelhecimento por meio de suas características gerais, provoca a formulação de uma grande variedade de definições para um mesmo aspecto do fenômeno. Assim, a inclusão de determinado fat9, característica ou função em classes que permitam organizá-Ios num sistema toma-se extremamente difícil dentro da área de conhecimento denominada de Gerontologia ou Ciências do Envelhecimento. Como resultante disso, surge um grande número de teorias que se propõem a explicar o fenômeno, porém cada uma com o próprio conjunto de conceitos, fatos e indicadores.
Outro aspecto que tem forte influência na determinação dessa variedade de teorias é o fenômeno do envelhecimento em si. Os organismos vivos são sistemas interativos de subsistemas e, portanto, complexos, hierárquicos e não-lineares. Formam, figurativamente, um grande mosaico de processos ou um grande fractal dinâmico. Assim, algumas teorias têm dificuldade de se sustentar, pois apóiam-se numa concepção ingênua segundo a qual uma dada alteração biológica que ocorre com o passar do tempo poderia ser provocada por uma causa particul~r, o que contraria a noção de sistemas hierárquicos interativos. E por isso que não há possibilidade de intervir em algum ponto do sistema de modo a afetá-Io de maneira global e alterar o curso das mudanças ao longo do tempo. Em outras palavras, é por esse motivo que, dificilmente, exisexistirá o elixir da juventude, o gene que controla o envelhecimento ou o tratamento rejuvenescedor.