terça-feira, 29 de novembro de 2011

SUICÍDIO


Suicídio e Psiquiatria
Nem todas as pessoas que cometem suicídio apresentam problemas psiquiátricos, mas é verdade que dentre os pacentes psiquátricos a taxa de suicídio é maior do que na população em geral, assim como dentre as pessoas com doenças não psiquiátricas a taxa de suicídio é mais elevada também, em relação á população geral. Não é válido julgar que uma pessoa depois de cometer ou tentar suicídio venha a ser considerada como portadora de doença mental por causa de seu gesto. Em aproximadamente 70% dos suicídios a pessoa apresentava alguma condição psiquiátrica, nos outros 30% alguma condição social como doença não psiquiátrica, desemprego e problemas legais como principais fatores. Observa-se também uma diferença nos fatores que levam ao suicídio conforme a idade, abaixo dos 30 anos de idade uso de drogas ilícitas e personalidade anti-social são mais frequentes enquanto que acima dessa idade 69% dos suicídios estão correlacionados a transtornos do humor.

Mitos acerca do Suicídio
As pessoas que ameaçam se suicidar não o fazem de fato
80% das pessoas que se mataram verbalizaram previamente sua intenção

O suicídio ocorre sempre sem aviso
Geralmente são avisos indiretos ou dissimulados como: "não sivo para nada", "só estou atrapalhando", mas as pessoas que se matam sempre avisam antes.

Uma pessoa que já pensou em suicídio será sempre uma candidata a ele.
Nâo é verdade, uma pessoa que pensou ou tentou suicídio poderá vir a superar suas diviculdades e passar a rejeitar fortemente a idéia de morrer.

O suicídio ocorre mais entre os ricos.
Falso, ocorre nas mesmas proporções entre ricos e pobres.

Grupos de Risco

Estes são os grupos de risco mais abrangentes, outros grupos menores como homossexuais também apresentam taxas mais elevadas conforme estudos da universidade de minesota no qual constataram que 41 em 137 relataram tentativas de suicídio. Este grupo foi constituido por homossexuais masculinos entre 14 e 21 anos de idade.

A relação de ajuda
Ajudar não é fácil e não nascemos sabendo, esta é a posição inicial para quem nunca teve um preparo especial para lidar com quem precisa de ajuda. Ajudar significa dar aquilo que a pessoa precisa e não aquilo que achamos que ela precisa. O que mais se encontra na prática e isso não se restringe às pessoas potencialmente suicidas mas todos enfermos que precisam de ajuda. Admitir que não saber o que falar é uma atitude positiva de quem é humilde e se não souber o que dizer não tente inventar, afirme que não sabe o que dizer mas está disposto a ouvir de coração aberto o que a pessoa tem a dizer.

  • Ouvir ativamente. Observar o que não é dito, tolerar as incoerências e as contradições, não é hora de dar lições de moral nem mostrar os erros, é hora de estimular a dar a volta por cima e ser paciente na dor.
  • Demonstrar impaciência e pior ainda, irritação significam para quem fala uma rejeição pessoal impossibilitando um relacionamento livre de impedimentos.
  • Estar preparado para comportamentos inaceitáveis e incompreensíveis como agressões contra quem quer ajudar. Isto não deve significar o fim da linha nem deve levar a desistência da ajuda, afinal uma pessoa para pensar em matar-se está ou numa situação extrema ou possui uma personalidade profundamente complexa e problemática, não será possível entender em pouco tempo reações desse calibre.

Como ajudar?
Ao contrário do que muitas pessoas acreditam, ajudar não é fácil nem intuitivo, para ajudar é necessário estar preparado, se possível, trienado, dizer aquilo que se julga ser bom e eficaz pode vir a ser destrutivo. As pessoas não são todas iguais, as circunstâncias variam, os valores mudam, as crenças são adquiridas ou perdidas, por isso, para se ajudar uma pessoa que quer morrer é assunto para pessoas bem informadas e bem formadas, do contrário é melhor não falar nada. a em suicídio é uma pessoa solitária, ela pode estar no meio de uma grande multidão ou de uma grande família mas sente-se só. Antes da primeira tentativa ela tenta se comunicar mas é considerada inconveniente, sem tato, chata e tende a ser isolada e rejeitada pelas pessoas, passa a ser alvo de fofocas que não perdoam o sofrimento alheio. Outras vezes a pessoa não consegue deixar claro seu sofrimento e sua angústia, logo a tentativa ou a consumação do suicídio pode ser uma tentativa de comunicação. Por outro lado existe as pessoas com transtorno histriônico de personalidade, essas são manipuladoras e usam as ameaças contra própria integridade como forma de manipular os parentes, não é possível manipular os médicos porque esses sempre internarão as pessoas acometidas por algum fator de risco que ameaçam se matar, mas os parente estão sujeitos às manipulações. Essa situação é extremamente difícil de se lidar, não sendo possível estabelecer regras nem condutas pré-definidas. A contenção da manipulação por ameaças de suicídio exige muito frieza por parte de quem houve, prudência, preparo, paciência e possibilidade de agir com rapidez se necessário.
O gesto suicida não surge repentinamente, se ocorre repentinamente é porque a pessoa estava nos anos ou meses anteriores escondendo todo seu sofrimento. Uma pessoa sempre solícita e sorridente no trabalho não por ser descartada como um potencial suicida, pode surpreender quem está ao lado, mas isso significa apenas que conseguiu encobrir muito bem todo seu sofrimento. Uma pessoa sem o preparo especial pode oferecer compreensão (os ouvidos e um olhar atento) e o calor humano (interessar-se pessoalmente e dispor-se a procurar meios de ajudar). A compreensão é sempre incondicional nessas situações, não se pode querer que a pessoa pense ou acredite como quem ouve, talvez e quase sempre será, ela terá valores e crenças distintos ou talvez nenhuma crença ou valor. A atittude de quem quer ajudar deve ser: "não imagino o que você está passando, mas estou disposto a estar ao seu lado para tudo que me pedir, exeto para ajudar a morrer".

O que fazer ?

  1. Ser você mesmo
  2. Fazer com que a pessoa se sinta acolhida por você
  3. Relacionar-se com a pessoa não apenas com o problema
  4. Ofereça toda sua atenção e mostre-se disponível
  5. Facilite o desabafo

O que não fazer.

  1. Subestimar ou desvalorizar as preocupações apresentadas.
  2. Impor conselhos.
  3. Emitir opiniões ou julgamentos.
  4. Ser paternalista.
  5. Fazer promessas que não podem ser cumpridas.
  6. Falsas esperanças como :"amanhã estará tudo melhor".
Fonte: http://www.psicosite.com.br/tra/out/suicidio.htm

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

AGORAFOBIA


O que é?
A agorafobia é o comportamento de evitação provocados por lugares ou situações onde o escape seria difícil ou embaraçoso caso se tenha uma crise de pânico ou algum mal estar.

Características
A relação entre a agorafobia e o pânico é muito próxima. Existe transtorno do pânico sem agorafobia, mas a agorafobia sem pânico é rara, havendo até mesmo quem afirme que não existe agorafobia isoladamente. De 1/3 a 1/2 dos pacientes com pânico apresentam agorafobia. As crises de pânico são bastante desagradáveis, mas não afetam o ritmo de vida como a agorafobia faz: torna os pacientes dependentes de outras pessoas para sair de casa e fazer as coisas mais elementares como comprar um pão na padaria. A agorafobia pode impedir o paciente de ir ao trabalho, ao médico, de ajudar quem dele precisa. Pode até impedir o paciente de comparecer a ocasiões especiais como o casamento do próprio filho. A agorafobia pode tanto se manifestar de forma específica ou generalizada como sair de casa. Os lugares específicos mais freqüentemente atingidos pela a agorafobia são os túneis, passarelas, pontes, avenidas largas ou rodovias; pode se manifestar pelo medo de multidões como nos shopping centers, restaurantes, filas, cinemas, teatros, elevadores. A limitação eventual incomoda pouco, mas quando atinge locais essenciais como ônibus, carros, metrô ou trens a vida do paciente fica bem mais comprometida. Toda essa dificuldade sempre é superada pela companhia de alguém: às vezes basta uma criança como companhia para o agorafóbico sentir-se tranqüilo. Por causa da necessidade de companhia, a agorafobia interfere na dinâmica da família. Há pacientes que não toleram ficar sozinhos em casa, precisando ou exigindo a presença de alguém. Este tipo de problema provoca irritação nos parentes que quando não conhecem o problema passam a hostilizar ou ridicularizar o paciente que sofre com sua ansiedade e com a incompreensão. Quando o tratamento não é feito ou não é conhecido, o paciente realmente depende da presença de outras pessoas, e surge com isso um sentimento de culpa por estar interferindo na vida dos outros e ao mesmo tempo uma inconformidade com essa situação incontrolável é incompreensível para o próprio paciente. A impossibilidade de solucionar o problema leva o paciente a pensar em suicídio e a desenvolver um quadro depressivo.

Diagnóstico
Para a realização do diagnóstico basta a existência do comportamento marcante de evitação de determinados locais (que são sempre os mesmos) por medo de passar mal, ter um ataque de pânico (quando o paciente sofre de pânico também) ou de ter os sintomas parecidos a um ataque de pânico, sem que nada de errado tenha acontecido nesse local com esse paciente. Ter medo de passar em túneis porque uma vez acidentou-se no seu interior não pode ser classificado como agorafobia: trata-se mais provavelmente de estresse pós-traumático. Um ataque de pânico não pode ser considerado um trauma ainda que os ataques sejam fortes. A agorafobia pode resultar de uma crise de pânico ocorrida dentro de um túnel, mas nem todas as crises dentro de túneis provocam medo de passar por eles, e nem todas as agorafobias por túneis são devido a crises de pânico dentro de túneis. Um paciente pode ter crises em casa, na rua e nunca ter tido dentro de um túnel, mas por acreditar que poderá ter uma crise no túnel fazemos o diagnóstico de agorafobia.

Tratamento
A agorafobia é um transtorno resistente às medicações: ou ela remite espontaneamente ao longo do tempo, paralelamente ao tratamento dos transtornos relacionados com o pânico como a depressão, ou ela permanece. A terapia cognitiva comportamental é a única técnica eficaz conhecida para tratar a agorafobia.

HANSENIASE

HANSENIASE


A hanseníase é uma doença crônica granulamatosa proveniente de infecção causada pelo Mycobacterium leprae que afeta predominantemente pele e nervos periféricos. Tem característica espectral tanto no aspecto clínico como no histopatológico.

Este bacilo tem a capacidade de infectar grande número de indivíduos, mas poucos adoecem pela sua baixa patogenicidade, propriedade esta que não é função apenas de suas características intrínsecas, mas que depende de sua relação com o hospedeiro e grau de endemicidade do meio. O domicílio é apontado como importante espaço de transmissão da doença.
Apesar da baixa patogenicidade, o poder imunogênico do Mycobacterium leprae é responsável pelo alto potencial incapacitante da hanseníase, o que permite afirmar que este bacilo é de alta infectividade.

Epidemiologia

A disseminação da hanseníase numa comunidade depende da suscetibilidade de seus indivíduos, da oportunidade de contato prolongado e do tipo predominante da doença na região. A maioria dos indivíduos de uma população é resistente ao A/. leprae; 90% dos recém-intectados curam-se sem desenvolver doença clínica. É contagiosa nos casos altamente infectados, cujos doentes eliminam bacilos pelas vias aéreas. Admite-se a transmissão interpessoal, por contato e. principalmente, pelas vias aéreas; a importância da via digestiva e dos insetos não está descartada. Ambos os sexos são afetados, predominando os homens.

Modo de Transmissão

A principal via de eliminação dos bacilos é a via aérea superior sendo o trato respiratório a mais provável via de entrada.

O trato respiratório superior dos pacientes multibacilares (Virchowianos e Dimorfos), é a principal fonte de Mycobacterium leprae encontrada no meio ambiente. Não se pode deixar de mencionar a possibilidade de penetração do bacilo pela pele, com solução de continuidade.

Período de Incubação

A hanseníase apresenta longo período de incubação: 2-7 anos.

Período de Transmissibilidade

Os doentes paucibacilares não são considerados importantes como fonte de transmissão da doença, devido à baixa carga bacilar. Os multibacilares constituem o grupo contagiante e assim se mantêm enquanto não se inicia o tratamento.

Suscetibilidade e Imunidade

Devido ao longo período de incubação é menos freqüente na infância. Contudo, em áreas mais endêmicas, a exposição precoce em focos domiciliares Ý a incidência de casos nessa faixa etária. Embora acometa ambos os sexos, observa-se predominância masculina (2:1).

Distribuição e Morbidade

A hanseníase é endêmica nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. A prevalência da hanseníase no país, em 1997, foi de 5,43 casos por 10.000 habitantes, colocando o Brasil em 2º lugar no mundo em número de casos, sendo superado apenas pela Índia. A meta estabelecida pela OMS é eliminar a hanseníase como problema de saúde pública até o ano 2000, isto é, atingir uma prevalência ß 1 caso por 10.000 habitantes.

Etiopatogenia

Agente Etiológico

Bacilo álcool-ácido resistente, Mycobacterium leprae. É um parasita intracelular obrigatório que apresenta afinidade por células cutâneas e células de nervos periféricos.

Descoberto por Hansen em 1874. M, leprae parasita predominantemente macrófagos e, quando numerosos, tendem a se acrupar paralelamente em feixes formando globos, fato que auxilia a diferenciação entre outras micobactérias, à microscopia óptica comum.

Considera-se o homem único hospedeiro, embora haja referências a tatus selvagens naturalmente infectados.

O homem é reconhecido como a única fonte de infecção, embora tenham sido identificados animais naturalmente infectados - tatu, macaco mangabei e chimpanzé. Os doentes multibacilares sem tratamento – hanseníase Virchowiana e Dimorfa - são capazes de eliminar grande quantidade de bacilos para o meio exterior.

Foram realizadas inoculações experimentais, com sucesso, em pata de camundongos e em tatus, porém ainda não se conseguiu meio de cultivo apropriado.

O tempo de geração medido e cerca de 10 a 20 dias. Seu genoma está decifrado e o glicolípide fenolico l é o antígeno espécie-específico principal da camada externa do bacilo.

Os doentes com hanseníase virchowiana (HV) são imunologicamente tolerantes ao M. leprae, apresentando imunidade humoral elevada que não determina resistência.

A incapacidade de desenvolver imunidade celular ao bacilo pode depender de fatores genéticos; observou-se que a suscetibilidade à hanseníase na população do Brasil está associada com marcadores

  1. HLA-DQA,
  2. D17S1868
  3. D20S88915.

Na hanseníase tuberculóide (HT). há predomínio de células T CD4+ no infiltrado inflamatório das lesões cutâneas, quando comparada com a forma wirchowiana.

Observa-se que o padrão de citocinas produzido pêlos línfócitos T e do tipo l (IL-2 e IFN-gama, ativadoras da imunidade celular) nas lesões tuberculóides, enquanto nas virchowianas é do tipo - (IL-4. IL-5 e IL-10. supressoras da imunidade celular).

Recentemente, o papel da IL-10 tem sido revisado

  1. citoquinas tipo 1 estimulam a ativação de receptores pedágio-símile (toll-like receptors), que participam da resposta inata imune aos microrganismos, localizados em monócitos e celulas dendríticas derivadas de monócitos
  2. citocinas tipo 2 - suprimem esses receptores na hanseníase. A frequência de monócitos e células dendríticas expressando receptores pedágio-sírnile, que reconhecem lipoproteínas triacetiladas microbiánas, é maior na HT do que na HV.

Quadro Clínico

A maioria das infecções hansenicas permanece assintomática sendo a infecção subclínica medida por meio de provas como o teste de transformação linfocitaria ante o M. leprae ou a da título de anticorpos antiglicolípide fenolico I.

Dependendo da variedade celular desenvolvida pelo indivíduo, após período de lesões incaracterísticas, de meses a anos, pode haver desenvolvimento de um dos tipos da doença dentro de espectro de sinais e sintomas de hanseníase.

Compreende um polo de alta resistência (tipo tuberculóide), passando por tipos de menos resislência (tipos dimorfos) até um pólo de reduzida ressistência (tipo wirchowiano).

CARACTERISTICAS
CLINICAS
BACTERIOSCOPICA
FORMAS CLINICAS
CLASSIFICAÇÃO OPERACIONAL VIGENTA PARA A REDE BASICA
Areas de hipo ou anestesia parcelares, manchas hipocromicas ou eritemo-hipocromicas com ou sem diminuição da sudorese e rarefação dos pelos
Negativa
INDETERMINADA

paucibacilar.

5 lesões na pele ou apenas 1 tronco nervoso acometido

Placas ateromatosas, eritemato-hipocrômicas, bem delimitadas, hipo ou anestesica, com comprometimento dos nervos
Negativa
TUBERCULÓIDE
Lesõeas pre- foveolares eritematosas planas com centro claro. Lesões foveolares. Alterações de sensibilidade
Bacilos ou globos com pocos bacilos ou negativa
DIMORFA

multibacilar

mais de 5 lesões na pele ou mais de um tronco nervoso acometido

Eritema e infiltrações difusas e de bordas mal-definidas, tuberculos e nodulos, madarose, lesoes das mucosas, alteração de sensibilidade
Bacilos abundantes e globos
WIRCHOWIANA


Hanseníase Indeterminada

Este grupo (Hl) consiste em uma ou poucas máculas hipocrômici e/ou eritematosas não muito extensas e limites impreciso apresentando hipoestesia, principalmente térmica

Podem ocorrer anidrose e alopecia nessas lesões, ou ainda apenas o distúrbio da sensibilidade sem lesões cutâneas; por veze: em lesões iniciais, nota-se hiperestesia. É mais frequente na face, superfície extensora dos membros, regiões glúteas e tronco.

Hanseníase Tuberculóide

Caracteriza-se por placa eritematosa ou acobreada, hipo ou anestésica, bem delimitada, muitas vezes com centro esmaecido e hipopigmentado e superfície seca e alopécia. Não há localização preferencial e, quando múltiplas, as lesões são assimétricas e não muito numerosas. Por vezes se pode palpar um espessamento nervoso em direção à placa. Pode haver comprometimento nervoso isolado, com dor e edema de um ou poucos nervos, seguido por anestesia e/ou fraqueza muscular na região correspondente. Não acomete mucosas ou órgãos internos.

Hanseníase Virchowiana

No princípio, manifesta-se por obstrução nasal com secreção serosanguinolenta e edema de tornozelos e pés, que podem preceder em meses ou anos lesões mais características.
As lesões cutâneas são numerosas, surgindo máculas, pápulas. placas e nódulos. As máculas mais precoces são eritematosas. acastanhadas ou levemente hipopigmentadas, tendo os limites externos mal definidos. Pápulas, placas e nódulos têm cor semelhante à da pele normal adjacente ou são eritêmato-acas-tanhadas. A distribuição das lesões é simétrica, localizando-se preferencialmente em áreas de menor temperatura, como face, membros e regiões glúteas; no entanto, outras áreas podem ser atingidas, excetuando-se couro cabeludo, axilas, regiões inguinais e perineal.
Nos casos virchowianos polares, ocorre infiltração difusa com espessamento progressivo durante meses a anos, precedendo a formação de nódulos.

A pele da face muito espessada forma grandes dobras, com supercílios e cílios rarefeitos (madarose) e adquire o aspecto de face leonina. Os pavilhões auriculares apresentam espessamento e nodulações. A seguir, principalmente braços, pernas e coxas tornam-se escamosos, adquirindo aspecto de ictiose.
Na HV o dano nervoso é tardio e simétrico. Nas fases iniciais, por infiltração de terminações nervosas e plexo neuro-cutâneo, há hiper ou hipoestesia sensitiva térmica, dolorosa e tátil começando pelas áreas mais distais e frias, ou seja, pavilhões auriculares e dorso das mãos e pés. Há também diminuição da sudorese, pelo comprometimento de ramos nervosos autónomos.
Com maior avanço da doença, nervos tronculares periféricos mostram sinais e sintomas do acometimento, verificando-se espessamentos, irregularidades e dor. Os principais nervos atingidos são mistos, originando distúrbios sensitivos e motores (paralisias e amiotrofias), dentre os quais se destacam: cubital, ciáticos poplíteos externo, mediano e radial e ramos do facial.

Na mucosa oral encontram-se pápulas e nódulos no palato, com ou sem perfuração, úvula, língua e mucosas jugais. A mucosa nasal é hiperemiada e sangra facilmente.

Olhos e órgãos internos, incluindo mucosa do trato respiratório superior, fígado, baço, glândulas supra-renais, linfonodos, medula óssea e testículos são preferencialmente afetados.
Existem duas variedades da HV com características particulares.

Variedade difusa de Lúcio e Alvarado: descrita no México, apresenta infiltração difusa inaparente desde seu início, evoluindo sem formar nódulos. Há mínima resistência à invasão bacilar;

Variedade hixlóide de Wade: verifica-se em associação a tratamentos irregulares e desenvolvimento de resistência à sulfona. Caracteriza-se pela presença de nódulos cutâneos eritematosos ou acobreados, endurecidos e brilhantes, de diversos tamanhos

Hanseniase Dimorfa

O quadro clínico da hanseníase dimorfa (HO) é multifacetado e intermediário entre os dois tipos polares previamente descritos, dependendo da posição do doente no espectro clinicopalológico da hanseníase.

Coexistem, num só doente, lesões com características dos pólos tuberculóide (T) e virchowiano (V).

Nos doentes denominados dimorfos tuberculóides (DT), com melhor imunidade e próximos do pólo T, as lesões cutâneas são assimétricas, apresentando semelhanças com a MT, porém, ocorrem em maior número, têm maior tamanho, formas mais variadas, superfície lisa e limites externos não tão precisos.

Nos doentes denominados dimorfos virchowianos (DVi) com pior imunidade e próximos do pólo V, as lesões tendem á simetria, lembrando a HV, embora com algumas lesões de limites definidos, menos numerosas, menos lisas e brilhantes do que nessa formada doença.

Na porção central do espectro, placas anulares com as bordas internas bem definidas e as externas pouco precisas são características dos doentes dimorfos intermediários (DDi. mais centralizados).

Por vezes, essas placas são aeográficas, possuindo diversas áreas centrais de pele aparentemente sã, lembrando o aspecto de "queijo suíço". Lesões cutâneas edematosas na face e extremidades igualmente sugere hanseníase dimorfa.

Diversos nervos periféricos podem estar afetados gravemente, de modo assimétrico nos DT. ao passo que nos DV a doença pode ser disseminada com tendência à simetria.
A hanseníase dimorfa é instável e a mais frequentemente encontrada. O doente dimorfo tende a adquirir característica;, em direção ao pólo tuberculóide, sob tratamento eterno ou ao pólo virchowiano, se não tratado. Dentre os casos dimorfos. os DD são os mais instáveis e mais raros, muitos deles representando estado transitório de deterioração de um caso DT. ou de melhora de um caso DV original no espectro Já doença.

Reações Hansênicas

Representam episódios agudos, mediados inumologicamente. que se instalam em lesões hansènicas não reacionais. Muitas vezes são a causa da procura por atenção medica.

Reações Hansênicas Tipo 1

Ocorrem nos tipos de HD, especialmente DT e DD. surgindo

  • dor e edema em lesões preexistentes
  • podem descamar ou ulcerar
  • febre e lesões novas
  • Nervos afetados mostram déficit funcional

As reações podem surgir sem causa aparente, entretanto, são associadas com melhora da imunidade celular comum no início do tratamento específico ou puerpério.

Reaçòes Hansenicas Tipo 2 (Complexo do Eritema Nodoso Hansêníco)

Ocorrem em pacientes multibacilares V ou DV. em geral após início do iraiamento especítico. quando haveria imensa produção de antígenos. São consideradas como exemplo de doença por deposição de imunocomplexos. embora com parlicipação adicicional da imunidade celular.

Febre e mal-estar geral acompanham placas e nódulos eritematosos disseminados, lembrando eritema nodoso comum e eritema multiforme. Essas reações podem ocorrer em qualquer local do corpo em que haja infiltrado inflamatório específico com bacilos, em cera! granulosos. incluindo nervos, olhos, ossos, articulações, linfonodos. rins. testículos: junto com as lesões da pele ou isoladamente. Neurites e uveítes determinam as complicações mais serias.

Reação de Lúcio (Fenómeno de Lúcio) veja um caso clinico descrito aqui

Descrita no México, onde só é observada na lepromatose difusa de Latapi.

No Brasil, tem sido encontrada em doentes V. particularmente os da forma difusa, ou DV próximos do pólo V.

É rara. porque ocorre em hanseníase disseminada e avançada sem tratamento específico adequado. Caracteriza-se por lesões eritèmato-purpúricas irregulares, poligonais ou livedóides que evoluem para necrose, ocorrendo nos pés, pernas, mãos. antebraços, coxas, braços e face, em ordem decrescente de comprometimento.

A princípio, as ulcerações são superficiais, sendo as profundas associadas com infecção secundária. Respondem ao tratamento específico para hanseníase. que deve ser precoce, assim, evitando-se a evolução fatal por septicemia em doente muitas vezes subnutrido.

A patogênese é complexa, possivelmente em decorrência de alterações estruturais e funcionais na circulação cutânea de doentes virchowianos avançados. Há alguma evidência da participação de imunocomplexos na reação.
O comprometimento nervoso na hanseníase causado pela infiltração específica e. mais gravemente, pêlos surtos reacionais, acarreta mal perfurante plantar , deformidades e complicações oculares.

Contudo, a maioria destas decorre da ausência de dor. que permite ao doente sofrer traumas e infecções negligenciadas, originando mutilações.


Histopatologia

A biópsia de lesões ativas (máculas, pápulas, placas e nódulos) deve ser representativa; assim, deve incluir a hipoderme, de modo que os nervos da junção dermo-hipodérmica possam ser examinados.

A) Na hanseníase indeterminada, encontra-se:

  • infiltrado inflamatório mononuclear perivascular e perianexial
  • localizaçao perineural, se presente, é um dado relevante
  • raramente se pode notar um ou poucos bacilos num nervo da junção dermo-hipodérmica

B) A hanseníase tuberculóide mostra:

  1. granulomas tuberculóides com agressão ou ate destruição de filetes nervosos
  2. raramente a pesquisa minuciosa pode revelar escassos bacilos. as alterações são compatíveis com o efetivo controle da proliferação bacilar desse tipo da doença
  3. considerando o espectro da doença, dependendo da posição de um caso de hanseníase dimorfa, neste serão encontrados inúmeros tipos histopatológicos

Granulomas tuberculóides mais frouxos do que os da HT. nos casos de hanseníase dimorfa tuberculóide, seguidos por tendência progressiva ao desaparecimento de células gigantes, redução no número de linfócitos e células epitelióides. aumento no número de macrófagos vacuolizados, menor agressão nervosa e elevação progressiva do número de bacilos nas lesões, nos casos de hanseníase dimorfa intermediários no espectro, até o predomínio de macrófagos vacuolizados, nos casos de hanseníase dimorfa virchowiana.

C) Na hanseníase virchowiana

  1. há infiltrado granulomatoso com macrófagos espumosos, no qual se vêem
  2. filetes nervosos envolvidos por estes, porém preservados:
  3. bacilos álcool-ácido-resistentes (BAAR) (íntegros, fragmentados e granulosos) são numerosos no interior de macrófagos e em várias estruturas.

Esses dados estão de acordo com a inabilidade de lise bacilar desses casos.

Na HV e alguns casos de HD há comprometimento visceral, com preferência para os órgãos do sistema fagocítico mononuclear. mucosas de trato respiratório superior, testículos e epidídimos.

Exames Complementares

  1. Pesquisa de sensibilidade: A sensibilidade torna-se alterada na seguinte sequência: térmica: dolorosa: tátil.
  2. Prova da histamina: É útil em lesões não eritematosas. quando a prova anterior é duvidosa.
  3. Pesquisa de BAAR (baciloscopia): É realizada em esfregaços do suco tissular sem sangue das lesões cutâneas. A quantidade de bacilos pode ser registrada por método semi-quantitativo ou pela escala logarítmica de Ridley.
  4. Reação de Mitsuda (teste intradérmico da lepromina): Importante para a classificação e prognóstico da doença. Reflete resistência (imunidade celular) ao M. leprae e tem correlação positiva com o teste de transformação linfocitária perante M. leprae.
  5. Exames laboratoriais: Alterações laboratoriais de frequência variável ocorrem especialmente em casos de HV e DV:
  1. anemia crónica;
  2. hipergamaglobulinemia;
  3. velocidade de hemossedimentação elevada;
  4. reações sorológicas para sífilis (RSS) falso-positivas;
  5. presença de anticorpo anti-fosfolípide;
  6. enzima conversora de angiotensina e lisozima séricas elevadas;
  7. testosterona baixa;
  8. proteinúria.

Diagnóstico:

O diagnóstico de hanseníase é altamente provável se dois ou mais dos seguintes sinais e sintomas forem constatados:

  1. Alteração da sensibilidade em lesão cutânea em área de distribuição de nervo periférico ou dorso das mãos ou pés.
  2. Nervos tronculares periféricos espessados.
  3. Lesões cutâneas características.
  4. Baciloscopia de lesões cutâneas positiva

A identificação do M. leprae por meio de técnicas genéticas, como a reação em cadeia de polimerase (PCR), é útil em casos paucibacilares.

Na hanseníase há diversas lesões cutâneas, sinais e sintomas articulares e nervosos, além de deformidades que podem simular diversas doenças. Estas são apresentadas de acordo com o tipo de lesão predominante.

Máculas: nevo anêmico; vitiligo; pitiríase versicolor; roséola sifilítica; leishmaniose visceral inicial; dermatite seborréica.

Pápulas e placas (uniformes, anulares ou escamosas): psoríase; dermatite seborréica; pitiríase rósea; esclero-dermia; líquen plano; sarcoidose; tuberculose; lúpus eritematoso; tinha do corpo; blastomicose queloideana; esporotricose; leishmaniose cutaneomucosa; ficomicose cutânea; granuloma anular; necrobiose lipoídica; erilemas anular centrífugo e multiforme; micose fungóide; leucemia linfóide crónica.

Nódulos: neurofibromatose; sarcoma de Kaposi; leishmanioses tegumentar difusa e visceral; molusco contagioso; sarcoidose; reticuloses; linfocitoma.

Lesões nervosas: neuropatia sensitiva congénita; amiloiclose primária de nervos; tumores nervosos; neurofibromatose-polineuropatia (difteria; mononucleose infecciosa; porfiria-paraproteinemia; leucemia; linfoma; arsénico; mercúrio-tálio; isoniazida; nitrofurantoína; talidomida; diabetes-lúpus eritematoso; esclerodermia; alcoolismo; anemia perniciosa; compressão e trauma nervosos; polineuropatia idiopática aguda; acropatia úlcero-mutilante (síndrome de Thévenard); siringomielia.

Deformidades: artrite reumatóide; epidermólise bolhosa-doença de Dupuytren; acropatia úlcero mutuante: ausência congénita de dor; tabes dorsalis; síndrome do túnel carpiano; poliomielite; defeito congénito do pé; ainunv tromboangeíte obliterante.

DIAGNOSTICO DIFERENCIAL:

As seguintes dermatoses exigem segura diferenciação: eczemátides, nevo acrômico, pitiríase versicolor, vitiligo, pitiríase rósea de Gilbert, eritema solar, eritrodermias e eritemas difusos vários, psoríase, eritema polimorfo, eritema nodoso, eritemas anulares, granuloma anular, LES, farmacodermias, fotodermatites polimorfas, pelagra, sífilis, alopécia areata (pelada), sarcoidose, TB, xantomas, hemoblastoses, esclerodermias, neurofibromatose.

Tratamento

O tratamento é ambulatorial. Nos serviços básicos de saúde administra-se uma associação de medicamentos, a POLIQUIMIOTERAPIA padrão OMS (PQT/OMS). A regularidade do tratamento é fundamental para a cura do paciente. A prevenção de deformidades é atividade primordial durante o tratamento e, em alguns casos, até mesmo após a alta, sendo parte integrante do tratamento destes paciente. Para o paciente, o auto-cuidado é arma valiosa para evitar seqüelas.

Em 1982, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou a multidroga terapia (MTD), que consiste em três drogas:

  1. dapsona
  2. rifampicina
  3. clofazimina

Essa associação é bactericida, segura e com baixo índice de recidivas (taxa acumulada de 1% em 9 anos).

Em 1991, a OMS adotou estratégia para reduzir a prevalência da hanseníase a 1 doente por 10.000 habitantes. Em razão da praticidade, especialmente para áreas em que não é possível realizar baciloscopia. os g doentes hansênicos avaliados clinicamente são divididos em dois grandes grupos e o seguinte esquema de tratamento T específico é indicado:

• Doentes multibacilares (com mais de 5 lesões anestésicas): incluem-se portadores de HD. DV, HV com baciloscopia positiva: dapsona 100 mg/dia: rifampicina 600mg/mês (supervisionada); clofazimina 300mg/mês (supervisionada) e 50mg/dia durante 1 ano.

• Doentes paucibacilares (com menos de 5 lesões anestésicas): incluem-se portadores de Hl, HT. DT com baciloscopia negativa: rifampicina 600mg/mês (supervisionada) e dapsona 100 mg/dia durante 6 meses.

http://www.tudoresidenciamedica.hpg.ig.com.br/estudar/Image97.jpg

Ainda para os doentes paucibacilares com apenas uma lesão anestésica, recomenda-se dose única da associação (esquema ROM).

Efeitos adversos de drogas devem ser lembrados, como:

  1. DAPSONA: anemia hemolítica, meta-hemoglobinemia, neuropatia, agranulocitose
  2. RIFAMPICINA: hepatotoxicidade e hiperpigmentação cutânea
  3. CLOFAZIMINA: intolerância gástrica

Atualmente, três drogas adicionais possuem potencial para aumentar a eficácia e diminuir o tempo de tratamento da hanseníase. Podem ainda ter utilidade em casos de resistência à rifampicina.

  1. ofloxacina.
  2. claritromicina
  3. minociclina

As reações hansênicas devem ser tratadas precocemente a fim de prevenir dano nervoso, com consequentes deformidade e incapacidade.

Novos Esquemas de Poliquimioterapia/ OMS

A partir de 1998, a OMS recomenda o esquema padrão com a diminuição do tratamento dos casos MB para 12 doses, em até 18 meses, e uma nova associação de drogas para os casos Dx com lesão única de pele (lesão única de pele, mancha ou mácula hipocrômica, eritêmato-acastanhada ou área com alteração de sensibilidade cutânea, sem envolvimento de tronco nervoso): O esquema ROM (Rifampicina + Ofloxacina + Minociclina). O Ministério da Saúde adotou o esquema ROM para todas as US com Dx clínico e tratamento e o esquema de PQT/OMS 12 doses em todas as US.

Estados Reacionais
Estados reacionais são intercorrências agudas que podem ocorrer na hanseníase, por manifestação do sistema imunológico. Aparecem tanto no tratamento, quanto após a alta, não exigindo a suspensão ou reinício da PQT. As reações podem ser de 2 tipos:

  • Tipo 1 (reação reversa): ocorre em pacientes com hanseníase tuberculóide e dimorfa. Caracteriza-se por ERITEMA e EDEMA DAS LESÕES e/ou ESPESSAMENTO DE NERVOS com DOR À PALPAÇÃO DOS MESMOS (NEURITE). A neurite pode evoluir sem dor (NEURITE SILENCIOSA). É tratada com prednisona.
  • Tipo 2 (eritema nodoso): os pacientes com hanseníase virchowiana são os mais acometidos. Caracteriza-se por nódulos eritematosos, dolorosos, em qualquer parte do corpo. Pode evoluir com neurite. Trata-se com Talidomida, somente em pacientes masculinos (proibido em mulheres em idade fértil devido a MFC) ou prednisona.

Critérios para Alta por Cura

O paciente obtém alta por cura ao completar as doses preconizadas, não necessitando ficar sob vigilância do serviço de saúde.

Pacientes da forma paucibacilar farão 6 doses de PQT/OMS em até 9 meses de tratamento e aqueles tratados com esquema ROM farão dose única, e os pacientes da forma multibacilar farão 24 doses de PQT/OMS em até 36 meses, ou 12 doses em até 18 meses no caso do esquema de curta duração.

A presença de reações não impede a alta, o mesmo se aplicando à presença de seqüelas. Ao final das 24 doses, o paciente multibacilar pode apresentar baciloscopia (+) com bacilos fragmentados, ou seja, sem poder de multiplicação e de transmissão da doença, o que não impede a alta. A eliminação de restos bacilares deve-se ao sistema imunológico do indivíduo e não à administração de medicamentos por um tempo mais prolongado. Deve-se ter especial atenção aos estados reacionais pós alta. Os pacientes devem ser exaustivamente esclarecidos sobre estados reacionais que poderão ocorrer, o que implicará em retorno imediato a US para cuidados exclusivos, sem QMT específica. O esclarecimento e a cooperação do paciente são fatores primordiais para o sucesso do tratamento e prevenção de incapacidades.

Recidiva

Não é considerada recidiva a ocorrência de episódio reacional após a alta por cura.

CONSIDERAMOS RECIDIVA:

PB: pacientes que após a alta por cura apresentarem:

  1. dor em nervo não afetado anteriormente
  2. novas alterações de sensibilidade,
  3. lesões cutâneas novas e/ou
  4. exarcebação de lesões anteriores
  5. não respondam a corticoterapia, de acordo com as doses preconizadas.

MB: pacientes com típicas lesões cutâneas virchovianas ou dimorfas, lesões reacionais após 3 anos de alta por cura ou que continuam com reações após o 5º ano de alta. A confirmação baciloscópica deve considerar a presença de bacilos íntegros e globias. Todo caso suspeito de recidiva deve ser investigado e, se confirmado, reintroduzido o tratamento e notificado.

Diagnóstico Laboratorial

Tipos de Exames

  1. Baciloscopia: a baciloscopia poderá ser utilizada como exame complementar para classificação dos casos em MB e PB.

    Baciloscopia (+) indica hanseníase multibacilar independente do número de lesões.
  2. Exame Histopatológico: indicado para elucidação Dx e em pesquisas.

Vigilância Epidemiológica

O objetivo do Programa de Controle da Hanseníase é baixa morbidade da doença para menos 1 doente por 10.000 habitantes até o ano 2000, meta de eliminação proposta pela OMS.

Os casos novos devem ser detectados precocemente e tratados para interromper a cadeia de transmissão da doença e prevenir as incapacidades físicas.

Notificação
A hanseníase é uma DNO.

Definição de Caso
É uma pessoa que apresenta um ou mais dos critérios, com ou sem Hx epidemiológica e que requer tratamento específico para hanseníase:
· Lesão(ões) de pele com alteração de sensibilidade;
· Espessamento neural acompanhado de alteração de sensibilidade;
· Baciloscopia (+) para Mycobacterium leprae.

      • Obs.: a baciloscopia (-) não afasta o Dx de hanseníase.

Investigação Epidemiológica do Caso

A investigação epidemiológica inclui:

o exame dermatoneurológico de todas as pessoas que convivem no domicílio com o caso novo de hanseníase, qualquer que seja a sua forma clínica, com o intuito de descobrir a fonte de infecção e conhecer outros casos oriundos dessa mesma fonte.

Medidas de Controle

Detecção de Casos: através do atendimento da demanda espontânea e da busca ativa, incluindo o exame de contatos. O exame de coletividade é indicado nas áreas de alta prevalência.

Tratamento Específico: o tratamento da hanseníase é ambulatorial. O esquema terapêutico utilizado é a PQT/OMS. A alta por cura é dada após a administração do número de doses preconizadas segundo o esquema terapêutico administrado.

Prevenção e Tratamento de Incapacidades Físicas

Todos os casos de hanseníase, independentemente da forma clínica, deverão ser avaliados quanto ao grau de incapacidade no momento do Dx e, no mínimo, uma vez por ano, inclusive na alta por cura. Toda atenção deve ser dada ao Dx precoce do comprometimento neural e para tanto os profissionais de saúde e pacientes devem ser orientados para uma atitude de vigilância do potencial incapacitante da hanseníase. Tal procedimento deve ter em vista o tratamento adequado para cada caso e a prevenção de deformidades. Essas atividades não devem ser dissociadas do tratamento quimioterápico, estando integradas na rotina dos serviços, de acordo com o grau de complexidade dos mesmos.

Vigilância dos Contatos

Para fins operacionais, deve-se considerar como contato intradomiciliar toda e qualquer pessoa que resida ou tenha residido nos últimos 5 anos com o doente. A vigilância desses contatos consiste em:

  1. exame de todos os contatos intradomiciliares dos casos novos, de todas as formas clínicas. Após o exame o contato indene será liberado com orientação quanto ao período de incubação, transmissão e sintomas da hanseníase.
  2. BCG - aplicação de 2 doses da vacina BCG-ID a todos os contatos intradomiciliares dos casos novos de hanseníase, independente da forma clínica. Recomenda-se a aplicação da 2° dose da vacina BCG-ID a partir de 6 meses após a 1° dose.

    Quando existente, a cicatriz por BCG-ID deve ser considerada como 1° dose, independente da época em que foi aplicada

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

CÂNCER COLORRETAL



INTRODUÇÃO

O câncer colorretal é a terceira neoplasia maligna mais freqüente no mundo e a segunda maior causa de morte por câncer nos Estados Unidos, desconsiderando-se o sexo. Segundo relatório do Instituto Nacional do Câncer (RJ), para o ano de 2.000, estima-se que no Brasil ocorreram por volta de 13.400 novos casos de câncer colorretal e que por volta de 6.700 brasileiros teriam morrido da doença até o final do ano passado. Acrescente-se ainda que a mortalidade global ao final de cinco anos associada ao câncer do intestino grosso —e aqui inclui-se o câncer no reto (CR)— permaneceu nas últimas décadas quase que inalterada e ao redor de 50%.

Apesar da natureza relativamente sombria dos resultados acima descritos podemos afirmar que o CR é uma doença facilmente diagnosticável e associada a altos índices de cura como resultado de diagnóstico precoce e tratamento radical adequado. O CR é geralmente estudado com o câncer de localização no cólon pois com este divide características semelhantes quais sejam a epidemiologia e a etiologia mas sobretudo o tipo histológico (adenocarcinoma, isto é, neoplasia de linhagem epitelial com origem em tecido glandular). Apesar dessas similaridades, o tratamento radical, que é eminentemente cirúrgico como veremos mais adiante representa não raramente um desafio ao cirurgião não-especializado ou pouco afeito a aspectos específicos da dissecção colorretal. Essas dificuldades técnicas que se apresentam ao cirurgião no momento da retirada do reto são resultado sobretudo do confinamento deste à pelve óssea, da proximidade com estruturas nobres como os vasos ilíacos e hipogástricos, a inervação autonômica responsável pela ereção e micção bem como à próstata e bexiga, ao útero e anexos.

Não somente aspectos técnicos relacionados ao tratamento cirúrgico por operação abdominal convencional estão envolvidos no processo decisório sobre as opções terapêuticas para o CR, mas também a necessidade de :

  • adequado estadiamento do tumor ainda no período pré-operatório a fim de se determinar o tratamento radical com maior possibilidade de controle da doença;
  • avaliar a possibilidade de se realizar tratamento cirúrgico radical por meio de ressecção local;
  • avaliar a oportunidade de se realizar tratamento cirúrgico por acesso totalmente laparoscópico;
  • oferecer tratamento por meio de quimio e radioterapia adjuvantes cujas principais vantagens são a possibilidade de preservação do ânus e o melhor controle local da doença;
  • conhecer os recursos técnicos disponíveis como os aparelhos de sutura mecânica a fim de se evitar a colostomia definitiva bem como a oportunidade de sua indicação;
  • conhecer técnicas operatórias e endoscópicas que objetivam oferecer melhor paliação para os casos onde a cura não pode ser alcançada.
  • determinar a intensidade e qualidade do seguimento pós-tratamento objetivando diagnosticar recidivas suscetíveis de terapia de resgate.

Após dominar os conhecimentos que arrolamos para exposição na presente mídia, o colega estará apto a:

1. enumerar os aspectos cirúrgicos mais impotrantes da anatomia do reto;

2. discorrer sobre os fatores ambientais e alterações genéticas conhecidas envolvidos na etiologia do CR;

3. reconhecer os aspectos macroscópicos e histológicos mais importantes do adenocarcinoma do reto;

4. diagnosticar o CR;

5. reconhecer os aspectos práticos do estadiamento do CR, conhecer a eficácia dos métodos de estadiamento local e à distância e apropriadamente determinar o estágio;

6. enumerar as vias de disseminação do CR, orientar o tratamento cirúrgico dirigido e atender aos seus objetivos;

7. enumerar os cuidados pré-operatórios e conhecer os princípios fundamentais da estomaterapia;

8. conhecer o conceito e técnica da excisão total do mesorreto;

9. conhecer o papel e aplicação da videolaparoscopia no tratamento do CR;

10. familiarizar-se com as operações de preservação esfinctérica;

11. reconhecer o papel da terapia adjuvante no CR;

12. conhecer as alternativas técnicas para o tratamento do CR obstrutivo;

13. escolher a qualidade e intensidade do seguimento pós-operatório.

Boa sorte em sua excursão aos conhecimentos que se seguem. Esperamos que este CD proporcione a você durante a sua leitura o grande prazer que experimentamos ao prepará-lo.

ANATOMIA

O reto é a porção final do intestino grosso na forma de um tubo muscular, mede entre 12 e 15 cm de extensão e embora seja ainda persistam controvérsias sobre as definições de seus limites cranial e distal, podemos defini-lo de acordo com a observação anatômica e a cirúrgica. Os limites anatômicos do reto são a projeção da terceira vértebra sacral cranialmente e a linha pectínea ou dentada (transição anorretal) caudalmente. O limite cirúrgico proximal do reto corresponde ao promontório sacral e o limite cirúrgico distal é definido pelo anel anorretal (limite superior do assoalho pélvico / músculos elevadores do ânus.

Do ponto de vista endoscópico, o reto é caracterizado por três grandes projeções de sua parede em direção à luz do órgão, constituídas por mucosa, submucosa e parte da muscular própria, conhecidas por válvulas de Houston e habitualmente em número de três. A válvula média de Houston (plica transversalis de Kohlrausch) corresponde à reflexão peritoneal na face anterior do reto. A muscular própria do reto é constituída por uma camada interna ou circular e uma camada externa que não exibe condensação na forma de tênias musculares como nos outros segmentos cólicos. Tampouco o reto exibe apêndices epiplóicos.

O reto é quase que praticamente órgão totalmente extraperitoneal em sua vertente posterior. De acordo com a maioria dos anatomistas, trata-se de órgão desprovido de mesorreto. No entanto, o tecido linfovascular que se situa em meio à gordura perirretal e envelopado pela fácia visceral do reto vêm sendo chamado (em conjunto) de ‘mesorreto’ e, como se verá adiante, a remoção cirúrgica completa desse tecido sem violar a fáscia visceral durante a sua execução representa talvez o mais importante avanço técnico da cirurgia oncológica do reto destinado a melhorar o controle local do CR.

ETIOLOGIA

O cólon, incluindo o reto, é o sítio mais freqüente de neoplasias primárias do que qualquer outro órgão do corpo humano. É sede de neoplasias de origem benigna, os adenomas, e de origem maligna, os carcinomas. Os adenocarcinomas representam a quase totalidade dos cânceres colorretais. Há múltiplos fatores envolvidos na etiologia do câncer colorretal na medida em que múltiplos passos estão implicados na sua patogênese. É provável que ambos fatores exógenos como hereditários interajam no aparecimento do câncer do cólon e do reto variando a sua importância, no entanto, de acordo com cada caso.

Uma vez que o câncer colorretal representa uma neoplasia onde as lesões pré-malignas (pólipos adenomatosos e as lesões planas não-polipóides) são conhecidas, evolui de forma relativamente lenta e a maioria dos tumores apresenta a mesma histologia (de forma que apenas esporadicamente o pior prognóstico é resultado de características morfológicas distintas), significativo conhecimento acerca das mutações genéticas associadas à sua progressão foi gerado e vem sendo reproduzido por grande quantidade de cientistas no mundo e também em nosso meio. Essa enorme quantidade de conhecimentos, a qual teremos a oportunidade de expor adiante, indica que o câncer colorretal é resultado de acúmulo de mutações genéticas, herdadas ou resultado da exposição de uma célula a carcinógenos dietéticos levando à seleção de um clone celular capaz de se dividir sem controle e invadir a submucosa do intestino.

Epidemiologia

O CR, assim como o câncer no cólon representa uma doença dos países ocidentais e industrializados onde o consumo de carnes, gorduras e carboidratos é alto. Apresenta maior incidência nos Estados Unidos e Canadá, na Grã-Bretanha, nos países escandinavos, Dinamarca, na Austrália e na Nova Zelândia. Essa distribuição geográfica dos casos de CR indica o papel de fatores ambientais, provavelmente dietéticos na etiopatogenia do CR. No Japão, quando se verificou a adoção de uma dieta semelhante à de outras nações industrializadas, a incidência do câncer colorretal aumentou rapidamente. Após a migração para os Estados Unidos de famílias japonesas e chinesas e adoção da dieta ocidental, a incidência de carcinoma colorretal para os descendentes dessas famílias aumentou até quatro vezes. No entanto, o CR, assim como os outros cânceres, é uma doença genética e como tal, a susceptibilidade necessária ao aparecimento do CR pode ser herdada. A evidência epidemiológica a favor dessa constatação está no fato de que nas localidades de alto risco para câncer colorretal (países desenvolvidos) a predominância é para tumores de localização distal no cólon (cólon esquerdo) e no reto e, nos locais de baixo risco para câncer colorretal, há uma predominância de tumores de localização no cólon direito —que são as neoplasias mais freqüentemente observadas em pacientes com câncer colorretal hereditário sem polipose. Ainda, se observarmos a incidência do câncer do cólon direito em todo o mundo veremos que ela talvez não esteja significativamente aumentada entre os indivíduos de sociedades industrializadas.

Dentre os fatores ambientais e dietéticos conhecidos envolvidos na etiologia do câncer colorretal, destacam-se:

  • dieta: ainda que a dieta ocidental esteja associada a risco aumentado de câncer colorretal, os fatores responsáveis carecem de definição mais precisa. No entanto, a ingesta de fibras insolúveis parece representar fator de proteção contra o câncer por força da redução da concentração fecal de ácidos biliares, maior velocidade do trânsito intestinal e maior produção de metabólitos intraluminais anti-proliferativos como ácidos graxos de cadeia curta (butirato). A ingesta de gorduras em quantidade superior a 20% da dieta e especialmente as saturadas estão associadas a maior risco de câncer resultante ou não da ação aumentada de ácidos biliares sobre a mucosa intestinal. Experimentalmente, ácidos biliares secundários (resultantes da ação de bactérias na luz intestinal) são promotores de tumores colônicos. A concentração fecal desses ácidos está significativamente aumentada em indivíduos que recebem dietas ricas em gorduras. Pacientes com câncer colorretal exibem concentrações fecais de ácidos biliares mais elevadas que os indivíduos-controle. Alguns estudos sugerem que o cálcio tenha efeito protetor. Essa ação pode ser resultado de maior fixação intraluminal de sais biliares e ácidos graxos ou da simples inibição da resposta proliferativa do epitélio colônico frente a gorduras e ácidos biliares. O selênio, micronutriente essencial que funciona como cofator da glutationa peroxidase (protege as células do dano oxidativo) parece estar associado a proteção contra o câncer colorretal conforme demonstrado a partir de estudos experimentais — um resumo dos principais fatores dietéticos relacionados ao aparecimento do câncer colorretal bem como seu possível mecanismo de ação encontra-se exposto no Quadro 1.

Quadro 1. Fatores dietéticos relacionados à etiologia do câncer colorretal

FATOR DIETÉTICO MECANISMO DE AÇÂO
GORDURA Carcinógena. Favorece maior concentração fecal de ácidos biliares (reconhecidos carcinógenos experimentais) que levam a maior proliferação celular epitelial
FIBRAS INSOLÚVEIS Protetoras. Mecanismo de ação possivelmente relacionado a diminuição da concentração fecal de ácidos biliares, aumento do trânsito intestinal e maior concentração de microflora anaeróbia que leva a maior produção de metabólitos protetores (ácidos graxos de cadeia curta)
CÁLCIO Protetor. Resulta em maior fixação luminal de ácidos biliares e ácidos graxos diminuindo sua ação irritativa sobre a mucosa e redução direta da proliferação celular em resposta a carcinógenos
SELÊNIO Protetor. Redução direta do dano oxidativo por ação como cofator da glutationa peroxidase

  • tabagismo: até recentemente havia evidência insuficiente para a relação entre fumo e câncer colorretal. No entanto, o maior aparecimento de carcinomas após um período de exposição ao fumo de no mínimo 35 anos foi recentemente demonstrado.
  • fatores ocupacionais: inalação de pó, exposição a fumaça e ocupação industrial podem elevar o risco de câncer colorretal.
  • radioterapia: a irradiação da pelve está associada a maior risco de câncer do reto.
  • doença inflamatória intestinal: pacientes com retocolite ulcerativa têm risco aumentado de desenvolver câncer colorretal em especial quando a doença foi diagnosticada em idade jovem ou quando a forma é a de pancolite. Nesses casos, o risco de degeneração é de aproximadamente 0,5% por ano após uma década do diagnóstico da doença como resultado da ocorrência de displasia de baixo grau (risco de câncer associado de 10%), alto grau (risco entre 30 e 40%) ou associada a lesão ou massa (superior a 50%). Em contrapartida, vale lembrar que quando o câncer aparece, a displasia pode estar ausente em até 25% dos casos o que põe em xeque o real papel da colonoscopia com biópsias seriadas nos pacientes com câncer colorretal. Há evidências de que a terapia farmacológica com sulfasalazina esteja associada a menor risco de degeneração. O risco de degeneração maligna entre os doentes com doença de Crohn é até o momento incerto e a atenção do cirurgião deve estar dirigida para os doentes cujo diagnóstico se deu em idade jovem mas sobretudo frente à presença de estenoses.
  • pólipos adenomatosos: é geralmente aceito que a maioria dos casos de câncer no cólon e no reto se origina a partir de pólipos adenomatosos pré-existentes. Dentre as evidências indiretas, clínicas e epidemiológicas a respeito dessa associação, ressaltamos: a prevalência de carcinomas do intestino grosso segue a distribuição geográfica dos adenomas, há concordância entre as lesões conforme os grupos étnicos observados, os cânceres ocorrem em faixa etária média superior em aproximadamente cinco anos à de ocorrência dos adenomas, cerca de um terços das peças de ressecção por câncer colo-retal incluem um ou mais pólipos adenomatosos (frequência cerca de seis vezes superior à observada em grupos-controle sem câncer), focos residuais de adenoma são, não raramente, encontrados em espécimes de câncer colorretal, o aumento do grau de atipia nos adenomas é proporcional ao seu crescimento e há coincidência na distribuição topográfica entre adenomas e o câncer colorretal. A mais forte evidência indireta de que pólipos adenomatosos originam câncer foi originada pelo National Polyp Study conduzido nos estados Unidos. Nesse estudo, o seguimento de seis anos de pacientes submetidos colonoscopia e polipectomia onde todos os pólipos encontrados foram removidos indica que, em relação a três grupos-controle ajustados para a idade, a incidência de CCR foi reduzida entre 76 e 90% em relação às populações de referência. No que se refere ao potencial maligno de pólipos adenomatosos, o risco de câncer aumenta para um adenoma progressivamente com o seu tamanho e quando sua histologia é do tipo vilosa em oposição ao tipo tubular. Para os pacientes com polipose adenomatosa familiar (PAF), doença genética de herança autossômica dominante causada por mutação no gene supressor tumoral APC (do inglês, adenomatous poliposis coli) localizado no cromossomo 5 e caracterizada pelo fenótipo de centenas a milhares de pólipos adenomatososa colônicos, o risco de aparecimento do câncer colorretal é de virtualmente 100% e geralmente na terceira ou quarta décadas de vida caso o paciente recuse a colectomia.
  • câncer de novo: ainda que a prevalência e portanto sua importância no universo de doentes com câncer colorretal ainda esteja por ser determinada, restam poucas dúvidas de que cânceres de novo se originam a partir da mucosa colorretal sem lesão adenomatosa pregressa ou associada. O achado de um caso de câncer precoce na forma de lesão plana deprimida foi inicialmente descrito por Kariya em 1977 e têm sido reportado principalmente por endoscopistas e patologistas japoneses nos últimos anos. É do entendimento desses pesquisadores que os cânceres precoces identificados em lesões planas deprimidas representam a via da carcinogênese de novo.

Genética do câncer colorretal

O câncer colorretal é uma doença genética. Seu aparecimento é fruto do acúmulo de mutações genéticas em um determinado clone de células epiteliais do cólon ou reto como resultado de herança ou não e que conferem a essa célula epitelial uma vantagem de crescimento ou mais especificamente, falta de resposta aos determinantes inter e intracelulares de divisão, diferenciação e morte celular. Oncogenes (K-ras), genes supressores tumorais (APC, DCC e p53) e genes reparadores do DNA (ácido desoxirribonucléico) ou MMR (do inglês, mismatch repair —genes denominados MSH2, MLH1, PMS1, PMS2 e MSH6) são considerados como de participação central no aparecimento do CCR. Foi através de estudos em doentes portadores de PAF, uma das modalidades de CCR hereditário, que foi possível postular o modelo de carcinogênese por múltiplos passos, no qual o acúmulo de mutações genéticas é responsável pela progressão do epitélio colônico normal para adenoma displásico e deste para o carcinoma invasivo (Vogelstein, 1988 e Fearon, 1990. A sequência adenoma-carcinoma pode ser encarada, conforme demonstrado por Vogelstein e cols., como a contrapartida morfológica da hipótese de carcinogênese por múltiplos passos.

Atualmente, admitem-se duas vias genéticas distintas para a carcinogênese colorretal. A via da instabilidade cromossômica ou perda da heterozigose (LOH, do inglês, loss of heterozygosity) ocorre quando mutações somáticas resultam em inativação dos genes supressores tumorais APC, p53, DCC, MCC ou ativação do oncogene K-ras. É a via genética envolvida no aparecimento da PAF, onde a inativação do primeiro alelo do gene APC (é herdada. A segunda via é a da instabilidade microssatélite ou da hipermutabilidade do DNA. Nessa, uma mutação herdada resulta em inativação de um dos alelos dos genes envolvidos no reparo do DNA. É a via envolvida no aparecimento do HNPCC (do inglês, Hereditary Non-Polyposis Colorectal Cancer) , onde a incapacidade de reparar erros que normalmente ocorrem durante a replicação do DNA leva ao aparecimento do CCR.

A PAF resulta de uma mutação em um gene supressor tumoral (gene APC, localizado no cromossomo 5) cuja herança é autossômica dominante. Em até 20% dos casos diagnosticados, a mutação genética responsável pela PAF não foi herdada. Esses indivíduos apresentam centenas a milhares de adenomas colônicos e o CCR ocorre por força da degeneração de uma ou mais dessas lesões invariavelmente até a idade média de 45 anos caso o intestino não seja removido. Adenomas extraintestinais também são comuns, particularmente no duodeno (região periampular), podendo originar câncer tardiamente. Tumores desmóides representam outra manifestação da variante da PAF conhecida como síndrome de Gardner e acarretam alta morbidade.

Na síndrome do câncer colorretal hereditário sem polipose (HNPCC), o defeito genético é resultado de mutação nos genes reparadores do DNA (MMR). Os quatro principais genes MMR estão localizados nos cromossomos 2 (dois deles), 3 e 7. Como resultado da hipermutabilidade do DNA, as células da mucosa intestinal, entre outras, estão mais propensas a acumular erros de replicação e assumir características neoplásicas. No HNPCC, o câncer colorretal se desenvolve mais rapidamente, é precedido por poucos ou nenhum pólipo, ocorre em idade mais jovem (antes dos 55 anos), em localizações mais proximais no cólon ou em localizações múltiplas (tumores sincrônicos) por ocasião do diagnóstico ou durante o seguimento (tumores metacrônicos). Na variante conhecida como síndrome de Lynch tipo II, o câncer no intestino ocorre em associação com tumores de outras localizações, mais especificamente, mama, endométrio e menos freqüentemente nos ovários, pâncreas, trato urinário e estômago.

ANATOMIA PATOLÓGICA

A maioria dos carcinomas do cólon e do reto surge a partir de um pólipo adenomatoso inicialmente benigno. No entanto, o achado histológico de focos de criptas aberrantes (FCA), descrito pioneiramente por Bird e cols. em 1987 no cólon de ratos submetidos a indução de CCR por carcinógenos tem sido considerado um evento precoce se não o inicial na carcinogênese colorretal, não somente pela sua detecção em roedores submetidos a indução por carcinógenos mas também pela sua frequência aumentada no cólon e reto de pacientes com diagnóstico de síndromes de câncer colorretal hereditário (PAF) ou esporádico se comparados a pacientes com doenças benignas do intestino grosso Esses focos consistem de criptas de Lieberkühn discretamente alargadas e hipercrômicas que lembram os adenomas diminutos extensivamente estudados em doentes com PAF mas que, analogamente aos FCA, raramente foram observados em outros indivíduos. A hipótese de que FCAs representa o evento histológico mais precoce da carcinogênese colorretal vem sendo reforçada pelos achados de aumento da atividade proliferativa celular, displasia, detecção do antígeno carcinoembrionário por imuno-histoquímica e mutação do gene K-ras em algumas dessas lesões. As poucas evidências disponíveis até o momento indicam que FCA representam se não a lesão precursora do CCR, a mais precoce detectada.

Carcinoma in situ refere-se a qualquer lesão com células malignas contidas exclusivamente acima da muscular da mucosa. Nomenclaturas utilizadas para essa lesão incluem “displasia mucosa grave” , “displasia grave” e “carcinoma superficial”. Carcinoma intraepitelial refere-se a uma lesão na qual as células apresentam evidência citológica de malignidade e estão restritas às criptas de Lieberkühn e portanto, não ultrapassaram a membrana basal epitelial. Qualquer invasão adicional para fora da glândula ou para dentro da lâmina própria porém acima da muscular da mucosa representa carcinoma intramucoso.

Com relação às características microscópicas, o padrão habitual é o de adenocarcinoma tubular ou com áreas papilíferas, bem ou moderadamente diferenciado. Em aproximadamente 20% dos casos, os túbulos das glândulas são muito irregulares ou não-formados, ocasião em que esses tumores são classificados como pouco diferenciados. A maioria dos carcinomas do cólon e do reto têm margem de invasão bem definida, do tipo expansiva. Em cerca de 25% dos casos, um padrão de invasão ou crescimento mais infiltrativo pode ser definido. O carcinoma mucinoso pode ser detectado em até 15% dos casos e representa aquele em que 50% ou mais do volume do tumor é constituído por muco, na forma de lagos mucosos extracelulares ou composto por células “em anel de sinete”, nas quais o muco se acumula no citoplasma. É verificado mais comumente em adultos jovens do sexo masculino, associado a adenoma viloso, doenças inflamatórias ou irradiação.

DIAGNÓSTICO

Anamnese

Apesar de a maioria dos cânceres retais (os localizados no reto médio e inferior) serem facilmente diagnosticáveis pelo toque digital do reto, a maioria desses cânceres não produz sintomas antes de se tornarem moderadamente avançados. Uma certa fração desses tumores poderá ser diagnosticada durante exames físicos de rotina (vale lembrar que o exame digital do reto faz parte do exame físico completo) ou mesmo durante a avaliação da próstata conforme realizada pelo urologista.

O sangramento representa o sinal mais comum do CR e é como se poderia imaginar freqüentmente atribuído a doença hemorroidária a qual, devido à sua relativa alta prevalência, representa uma condição associada comum. O sangramento geralmente ocorre em pequena quantidade e associado a fezes relativamente bem formadas. A eliminação de muco também é um sinal comum e a anemia não representa condição essencial ao diagnóstico. O aumento do número de evacuações e a sensação de evacuação incompleta bem como a urgência são sintomas-chave para o diagnóstico, embora ocorram para os tumores que ocupam um certo volume na luz retal, e, dessa forma, mais avançados. A dor e a obstrução são eventos raros. A confirmação da suspeita Pa anamnse do CR requer a realização de exame proctológico completo como veremos a seguir.

Exame proctológico

O exame proctológico inclui a inspeção, palpação, toque digital, anuscopia e a realização da retossigmoidoscopia. Ao contrário do que se possa imaginar, uma crescente quantidade de pacientes procura consultórios especializados com interesse na prevenção do câncer colorretal o que vem resultando em benvinda desmistificação do exame proctológico e da retossigmoidoscopia.

O exame proctológico pode ser realizado na posição genupeitoral, mais confortável ao examinador, ou na posição de decúbito lateral esquerdo, para os pacientes mais idosos, obesos ou com problemas osteoarticulares.

O toque digital do reto permite não apenas a identificação da lesão, determinação de sua distância da borda anal bem como da superfície retal mais acometida mas também possibilita avaliar a mobilidade da lesão e dessa forma o grau de penetração do tumor na parede intestinal com acurácia que pode atingir mais de 80%. Através do toque também deve se preceder à avaliação da invasão do aparelho esfinctérico (anel anorretal) o que fornece a mais importante impressão no pré-operatório acerca da possibilidade de preservação esfinctérica bem como avaliar o grau de infiltração do septo retovaginal em mulheres.

Outra finalidade crucial do toque digital do reto é inferir sobre a função esfinctérica. Associado à anamnese e à eletromanometria anorretal, o toque digital do reto permite avaliar o tônus de repouso do canal anal e à resposta à solicitação de contração esfinctérica. Pacientes com grau importante de comprometimento da função esfinctérica são maus candidatos às operações de preservação esfinctérica (retossigmoidectomias).

Após a realização do toque digital, com o auxílio de um retoscópio rígido é possível determinar com bastante acurácia a distância da borda anal bem como determinar o aspecto endoscópico da lesão (se ulcerada, polipóide ou infiltrativa) e se permite a passagem do aparelho ou não (tumor obstrutivo). A retossigmoidoscopia flexível tem as vantagens de ser mais confortável ao paciente e ao examinador bem como permite documentar o aspecto endoscópico da lesão.

Biópsia

A obtenção da biópsia representa uma etapa importante do diagnóstico pois não só permite definir as características histológicas da lesão como o grau de diferenciação celular ou o conteúdo celular de DNA que são de valor prognóstico mas principalmente porque viabiliza a aplicação de tratamento neoadjuvante não cirúrgico (quimioirradiação) ainda no período pré-operatório se assim o cirurgião o desejar. Pinças de biópsia tipo saca-bocados utilizadas através ds retoscópios são mais freqüentemente utilizadas por nós pois raramente o fragmento obtido não é representativo. A obtenção de biópsia deve ser feita cuidadosamente e deve interessar preferencialmente tecido neoplásico. A perfuração do reto extraperitoneal após a realização de biópsia é muito mais freqüente do que a clínica possa sugerir e geralmente se segue à biopsia do reto normal ou esforço desmedido no sentido de se obter fragmento representativo. Graves infecções por contaminação da fossa supraelevadores ou do espaço isquioanal podem se seguir requerendo a confecção de colostomia de urgência no tratamento inicial dessa complicação.

ESTADIAMENTO

A importância de se obter adequado estadiamento do CR advém do crescente número de opções terapêuticas que surgiram na experiência internacional e também pioneiramente no nosso meio e que trouxeram adequada radicalidade especificamente dirigida ao tumor, sua localização e estágio e que acabaram por melhor beneficiar os pacientes com CR. Classificar os CRs conforme o estágio ainda se presta à mais fidedigna estimativa sobre o prognóstico e comparação da sobrevida e ocorrência de recidiva entre os centros médicos envolvidos no tratamento do CR.

Quando se observam os resultados do tratamento cirúrgico do câncer do cólon, verificamos que em no máximo 10% dos casos, ocorrerão recidivas locais ao final de 5 anos. Já para o CR, até 15% dos pacientes experimentarão recidiva após 2 ou 3 anos do tratamento cirúrgico. Daí a pouca importância para um maior estadiamento no pré-operatório para pacientes com câncer no cólon e o grande incremento verificado para a real definição da extensão da doença para pacientes com CR

O estadiamento anátomo-patológico representa a variável prognóstica isolada de mais forte correlação com o prognóstico em doentes com câncer do cólon ou CR. Introduzido por Cuthbert E. Dukes em 1928 para o adenocarcinoma de localização no reto, há hoje diversos sistemas ou classificações de estadiamento para o câncer colorretal. Conhecer o estágio do tumor é condição imprescindível à adequada proposta terapêutica e significa, para o CR, definir o grau de infiltração do tumor na parede retal bem como infiltração da parede de órgãos vizinhos, o número e a localização de linfonodos acometidos e a presença ou ausência de metástases à distância.

O atual sistema de estadiamento recomendado pelo American Joint Committee on Cancer e pela Union Internationale Contre le Cancer representa uma proposta de sistema universal para o estadiamento do câncer em todas as localizações anatômicas. Apresenta um certo grau de complexidade e foi modificado para corresponder à classificação originalmente apresentada por Dukes — Quadro 2.

Quadro 2. Estadiamento TNM (AJCC/UICC) para o câncer colorretal e correlação com a classificação de Dukes

CÓLON, RETO

Tumor primário (T)

  • Tx Tumor primário não pode ser avaliado
  • T0 Sem evidência do tumor primário
  • Tis Carcinoma in situ: intraepitelial ou invasão da lâmina própria
  • T1 Tumor invade a submucosa
  • T2 Tumor invade a muscular própria
  • T3 Tumor invade a subserosa ou tecidos não-peritonizados pericólicos ou

perirretais

  • T4 Tumor invade outros órgãos ou estruturas / perfuração
  • Linfonodos (N)
  • Nx Linfonodos regionais não podem ser avaliados
  • N0 Ausência de metástases linfonodais
  • N1 Até 3 linfonodos regionais pericólicos ou perirretais acometidos
  • N2 Mais do que 3 linfonodos regionais pericólicos ou perirretais acometidos
  • N3 Linfonodo(s) acometidos em troncos vasculares identificados ou linfonodos(s) apical(is)

acometidos(s)

ESTÁGIO T N M DUKES
0 Tis N0 M0
I T1 N0 M0 A

T2 N0 M0
II T3 N0 M0 B

T4 N0 M0
III Qualquer T N1 M0 C

Qualquer T N2 M0

Qualquer T N3 M0
IV Qualquer T Qualquer N M1

A denominação “câncer colorretal precoce” não se aplica a um estágio específico tampouco representa entidade anátomo-patológica distinta. Em analogia ao câncer gástrico precoce, a denominação serve para identificar um grupo de tumores que podem ser curados. Neoplasias do cólon ou do reto não exibem potencial de disseminação linfonodal até que tenham atingido a camada submucosa através da muscular da mucosa em função, provavelmente, da escassez de linfáticos na lâmina própria do intestino. A maioria dos patologistas no Ocidente opta por adotar o conceito de que enquanto as células neoplásicas estão confinadas à mucosa, a nomenclatura “atipia” ou “displasia” é mais apropriada em oposição à denominação carcinoma in situ (intraepitelial — restrito à membrana basal epitelial ou intramucoso — restrito à camada mucosa) . A denominação CCR precoce deve, dessa forma, ser reservada aos tumores que invadem a submucosa mas não a ultrapassam e para os quais está estimada uma frequência de acometimento linfonodal em torno de 4% (até 10% para o CR) em não se tratando de tumores pouco diferenciados. Quando o nível de invasão na parede do reto atinge a camada muscular própria, a frequência de metástases linfonodais está estimada entre 10 e 20%. Quando a invasão da parede intestinal é completa, atingindo o tumor os tecidos pericólicos ou perirretais, a frequência do acometimento linfonodal pode chegar até 58%.

Examinadores experientes podem alcançar nível de acurácia de até 80% na avaliação do grau de infiltração do tumor na parede retal. No entanto, a avaliação do status de acometimento linfonodal está seriamente prejudicada.

Papel da colonoscopia

Em pacientes com CR detectado à retoscopia, até 7% albergam tumor sincrônico mais proximal e fora do alcance do retossigmoidoscópio rígido. Em pacientes com idade inferior a 50 anos e com câncer colorretal, 15% possuem tumor sincrônico. Adenomas sincrônicos são observados em até 30% dos pacientes com câncer do intestino grosso. A maioria dessas lesões é encontrada em segmentos que normalmente não seriam incluídos na ressecção convencional do CR. Conseqüentemente, recomenda-se que todos os pacientes com diagnóstico de CR sejam submetidos a colonoscopia total ainda no período pré-operatório e como parte da avaliação geral ou dentro de até seis meses no pós-operatório na eventualidade de câncer obstrutivo.

Ultrassonografia endorretal

Com o advento da ultrassonografia endorretal (USER), a definição detalhada das camadas da parede retal assim como dos tecidos circunjacentes (ressaltem-se aqui os linfonodos) foi possibilitada de forma que a USER tornou-se a ferramenta ideal para o estadiamento do grau de infiltração do tumor na parede do reto (definição T do sistema TNM de estadiamento) bem como avaliar ainda que menos precisamente a intensidade e localização do acometimento linfonodal (definição N). A fim de entender adequadamente o valor de USER no estadiamento local do CR, é necessário interpretar as imagens que são geradas e classificadas conforme descritas por Beynon. É possível identificar cinco camadas ecográficas que correspondem à mucosa, muscular da mucosa, submucosa, muscular própria e a serosa ou gordura perirretal.

Para os pacientes não submetidos a tratamento inicial por radioterapia para o CR, a acurácia do USER no diagnóstico do grau de invasão na parede do reto é superior à do toque digital e situada entre 76 e 95%. Da mesma forma, à tomografia computadorizada (TC) não é possível diferenciar entre as camadas da parede retal e, dessa forma, não é possível distingüir entre lesões T1 e T2 à TC. A acurácia da USER para o diagnóstico do acometimento linfonodal está estimada entre 62 e 85%. Essa eficácia no diagnóstico da definição N do estadiamento pode ser aumentada através da possibilidade de a USER guiar a obtenção de biópsias trans-retais com agulha.

Infelizmente, a USER não está ainda disponível na maioria dos centros médicos. No entanto, deve ser realizada sempre quando houver evidência de confinamento do tumor na parede do reto e, conseqüentemente, quando a possibilidade de ressecção local curativa está aventada a fim de comprovar a infiltração superficial da parede do reto e a ausência de metástases linfonodais.

Tomografia computadorizada

A tomografia computadorizada (TC) é uma valiosa arma diagnóstica hoje utilizada largamente na avaliação da quase totalidade de malignidades intra-abdominais. A TC se presta a precisa avaliação da extensão local do CR menos especificamente no que se refere ao grau de invasão intrínseco na parede retal e também permite uma avaliação que deixa a desejar acerca do grau de acometimento linfonodal no entanto é eficaz na avaliação da possibilidade de infiltração de órgãos vizinhos como a vagina, próstata, vesículas seminais, bexiga e sacro. O aspecto de espessamento da parede retal associado à perda do plano de clivagem com esses órgãos traduz a imagem tomográfica de invasão por tumor. Os valores preditivos negativos (no caso do CR, significa a chance de realmente não existir infiltração neoplásica quando a TC indica que não há) da TC no diagnóstico do grau de infiltração do tumor na parede do reto bem como no diagnóstico do grau de acometimento linfonodal são baixos e de respectivamente 60% e 50%. A TC é valiosa no sentido de providenciar uma visão geral da pelve e não somente uma visão das alterações do relevo mucoso conforme fornecida pelos exames contrastados ou mesmo a colonoscopia, diagnosticar complicações insuspeitadas associadas ao CR e a relação do tumor com estruturas vizinhas.

O CR metastático geralmente acomete o fígado. O estadiamento pré-operatório no fígado pode alterar a tática cirúrgica no sentido de que pacientes com doença metastática extensa se beneficiam mais freqüentemente de procedimentos cirúrgicos menores. Até 20% dos pacientes com CR têm metástases hepáticas no momento do tratamento cirúrgico e se estima prevalência de 25% a pacientes com metástases hepáticas sincrônicas ainda ocultas. A TC é comumente empregada com objetivo de estadiamento à distância do CR, especificamente o fígado. A sensibilidade da TC no diagnóstico de metástases hepáticas de câncer colorretal gira em torno de 80%.

Ultrassonografia intraoperatória

A ultrassonografia intraoperatória é superior à TC e à inspeção e palpação intraoperatórias no diagnóstico de metástases hepáticas de câncer colorretal. Aproximadamente 10% de lesões adicionais serão encontradas. A ultrassonografia hepática intraoperatória permite o diagnóstico diferencial mais fidedigno entre tumor secundário no fígado e cistos ou hemangiomas. Também é capaz de fornecer informações valiosas acerca da localização de ramos venosos hepáticos e portais que serão úteis ao cirurgião no momento de planejar a ressecção cirúrgica.

Papel da videolaparoscopia diagnóstica no estadiamento

A vídeo-laparoscopia diagnóstica não representa um procedimento de rotina a ser realizado em pacientes com CR. No entanto, trata-se de método diagnóstico extremamente útil na confirmação da suspeita de metástases hepáticas, mas sobretudo de metástases peritoneais conforme identificadas pela TC. A possibilidade de confirmar o diagnóstico de neoplasia incurável pela laparoscopia com ou sem biópsia, prescindindo de incisão abdominal é uma alternativa atraente nessa situação. Para os pacientes muito sintomáticos ou com sinais de suboclusão intestinal, a paliação através de colostomia por acesso videolaparoscópico pode ser realizada.

RECOMENDAÇÕES PARA A AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA

Nos pacientes com CR para os quais a cirurgia está indicada deve se procede à avaliação laboratorial pré-operatória completa de forma a incluir hematologia, coagulação, eletrólitos, função hepática e renal. É importante obter dosagem sérica pré-operatória do antígeno cárcino-embrionário (CEA) a fim de fornecer controle para o seguimento pós-operatório. Avaliação cardiológica completa não pode ser esquecida em especial para os pacientes com mais de 50 anos de idade, diabéticos em qualquer idade, hipertensos e aqueles com anamnese ou sinais de cardiopatia. Radiografia simples do tórax deve ser obtida a fim de descartar a possibilidade de metástases pulmonares. A avaliação do aparelho urinário e eventual suspeita de invasão do ureter podem ser confirmadas pela TC. No entanto, em pacientes com sinais de fecalúria ou pneumatúria, cistoscopia deve ser indicada a fim de se excluir invasão vesical. Como já comentamos, a colonoscopia deve ser realizada no pré-operatório sempre que possível devido à alta prevalência de tumores sincrônicos e pólipos adenomatososos, à exceção de pacientes com tumor obstrutivo quando deve ser realizada dentro de até seis meses no pós-operatório. É certo que os pacientes com CR não necessitarão ser submetidos a jejum prolongado, no entanto, avaliação nutricional deve ser realizada sempre que possível e especialmente para aqueles pacientes com perda ponderal superior a 10% do peso corporal. A suplementação por via oral ainda no período pré-operatório pode ser benéfica nessa situação.

Preparo intestinal completo, antibioticoprofilaxia de amplo espectro e profilaxia da trombose venosa profunda e embolia pulmonar são hoje pré-requisitos fundamentais da moderna cirurgia oncológica sobre o reto.

O preparo intestinal mais freqüentemente utilizado por nós é hospitalar e anterógrado e envolve o emprego de soluções de laxativos osmóticos como o fosfato de sódio e o picossulfato dissódico. Essas soluções apresentam as vantagens de necessitar de menor volume para promover a limpeza mecânica intestinal se comparadas às soluções de manitol ou polietilenoglicol e, à exceção dos pacientes com suspeita ou confirmação diagnóstica de insuficiência renal, podem ser utilizadas com segurança.

A prevenção da trombose venosa profunda se reveste de especial importância no cuidado perioperatório dos pacientes com CR. Considerando a idade de maior ocorrência do CR (acima dos 60 anos), a localização do tumor confinado à pelve, a dissecção pélvica ampla que se irá promover para removê-lo, o tempo cirúrgico por vezes prolongado que se necessitará, e o posicionamento do paciente, imóvel sobre perneiras, estimamos como alto o risco de trombose venosa para o indivíduo com CR. Associadamente às medidas mecânicas, entre as quais ressaltamos a compressão intermitente dos membros inferiores durante a operação bem como a deambulação precoce no pós-operatório, a profilaxia farmacológica tem papel fundamental. Empregamos preferencialmente a enoxaparina na dose de 40 mg administrada por via subcutânea iniciando-se no dia anterior à operação juntamente com o preparo intestinal e administrada habitualmente por cinco ou sete dias.

A confecção de estomas como parte do tratamento cirúrgico do CR representa uma real possibilidade. Quer sejam de natureza temporária (ileostomias em alça de proteção de anastomose colorretais no reto distal ou coloanais) ou permanente (colostomia terminal na amputação abdominoperineal do reto), o ideal é que se proceda à avaliação especializada no período pré-operatório a fim de se determinar o melhor local para posicionar o estoma e demarcá-lo. Dentre os princípios técnicos que regem a confecção de estomas intestinais, optamos por ressaltar:

  • a demarcação no período pré-operatório deve ser realizada por profissional especialista em estomaterapia durante consulta especializada;
  • a demarcação deve ser estudada com o doente na posição em pé, sentado e deitado de costas a fim de determinar local adequado longe de cicatrizes, pregas de gordura, proeminências ósseas e da linha do cinto;
  • o estoma deve ser exteriorizado através do músculo reto abdominal, sem tensão, torção e a maturação deve ser imediata seguida da pronta aplicação do dispositivo coletor.

TRATAMENTO

A cirurgia persiste como o pilar do tratamento do CR. Várias variáveis influenciam o tipo de operação a ser realizada, entre eles: condições gerais do paciente, idade, função esfinctérica, localização do tumor no reto, estadiamento, invasão de órgaõs vizinhos, qualidade do preparo intestinal e experiência do cirurgião.

O tratamento cirúrgico do CR pode ser curativo ou paliativo. O tratamento curativo é realizado com a intenção de se remover toda a lesão primária com margens de segurança bem como qualquer extensão de acometimento extra-retal seja ele sobre linfonodos ou órgãos vizinhos. O tratamento paliativo é oferecido quando a exérese completa do tumor primário não pode ser realizada quer seja por invasão não-negociável de órgãos vizinhos, más-condições do doente no momento da operação ou doença metastática.

Ao contrário do que se verifica para o adenocarcinoma do cólon, a recidiva local observada após tratamento cirúrgico curativo para o CR é alta e pode ser estimada grosseiramente em até 1/3 dos casos para os pacientes com CR invasivo. Dessa forma a cirurgia não mais desempenha papel isolado no tratamento do CR para a maioria dos casos. A recidiva local é um problema significativo na busca pela cura do CR. Conforme veremos adiante, pode resultar da dificuldade em se obter margens radiais durante a operação radical ou devido à biologia diferente do CR.

Princípios atuais do tratamento do CR. Vias de disseminação do CR

Três avanços fundamentais no tratamento do câncer no reto nas últimas duas décadas incluem:

  • o aumento do número de operações de ressecção anterior baseado na evidência de que a cura para os tumores localizados no reto médio ou distal não é afetada pela conservação esfinctérica;
  • a diminuição das taxas de recidiva local após tratamento adjuvante; e
  • a ênfase na importância dos aspectos técnicos das operações oncológicas sobre o reto.

Para o adenocarcinoma de localização no reto, é possível admitir cinco vias de disseminação de células neoplásicas: intramural (na parede do reto), extramural (linfonodal), transperitoneal, hematogênica e por implante em superfícies desepitelizadas (como sítios de polipectomia endoscópica e linhas de sutura).

Dentre os aspectos técnicos de interesse nas operações oncológicas sobre o reto e que resultam em melhora dos resultados de sobrevida pois perseguem as rotas de disseminação neoplásica —ligadura na origem da artéria mesentérica inferior, ressecção em monobloco e alargada quando indicada, irrrigação do reto antes da anastomose, preservação da margem intramural distal ao tumor e da margem circunferencial— figura a excisão total do mesorreto (ETM).

Sendo realizada por Heald desde 1978 e pioneiramente descrita por esse autor em 1982, a técnica de ETM consiste na dissecção precisa e cuidadosa ao redor do reto na pelve objetivando preservar a integridade da fáscia visceral do reto (que representa a camada mais externa do envelope de tecido gorduroso que o envolve circunferencialmente) e da fáscia parietal (que recobre a face anterior do sacro e da parede lateral da pelve). Através dessa manobra, espera-se que quaisquer micrometástases presentes no tecido linfovascular que compõe o mesorreto juntamente com o tecido gorduroso perirretal sejam removidas em bloco com o tumor primário. Concomitantemente, a preservação da integridade da fáscia pélvica evitaria lesão da inervação autonômica da pelve e conseqüente prejuízo das funções sexual e urinária.

No que se refere à disseminação intramural na parede retal distalmente ao tumor, ela freqüentemente corresponde à margem macroscópica, exceção feita aos tumores extremamente indiferenciados, o que leva a uma concordância entre as margens intramurais cirúrgica e histológica.

Com relação à disseminação extramural no mesorreto no sentido distal à lesão, a experiência clínica indica que ela está sempre presente entretanto não ultrapassaria 3 cm conforme a experiência disponível. Ainda que o tratamento cirúrgico através de ETM esteja inicialmente reservado para os tumores de localização no reto médio ou distal, frente a esses achados, a transecção do mesorreto para os tumores mais altos deve, mais apropriadamente, ser realizada pelo menos 3 cm abaixo da borda inferior do tumor primário a fim de incluir células neoplásicas presentes no mesorreto distal ao tumor na forma de invasão vascular linfática ou acometimento linfonodal. Nas operações convencionais de ressecção anterior, a fração do mesorreto que não é excisada e que permanece na pelve abrigaria focos de metástase linfonodal ou de invasão vascular linfática sendo, dessa forma, responsável pela ocorrência de recidiva pélvica após estas operações. A execução da ETM com remoção completa destes focos neoplásicos seria responsável pelos excelentes resultados de recidiva local de até 1% obtidos por Heald e cols. quando consideradas somente as operações curativas.

Papel da videolaparoscopia no tratamento cirúrgico do CR

O emprego da videolaparoscopia no tratamento de doenças malignas resultou em sérias controvérsias a respeito do seu real benefício em nosso meio e também no exterior, especialmente quando considerados casos de câncer colorretal e em especial CR, para o qual apesar da sólida sistematização técnica, as altas taxas de recidiva local persistem como o maior óbice ao emprego da cirurgia exclusiva no tratamento curativo do CR. Os benefícios de menor dor, trauma operatório e perda sangüínea que se pretende oferecer aos doentes operados por esse novo método também parece ser de menor importância quando se trata de se operar para curar o CR.

De qualquer forma, a exeqüibilidade de mobilização e ressecção do reto acometido por tumor conforme princípios clássicos da cirurgia oncológica (ligadura na origem da artéria mesentérica inferior, extensão da linfadenectomia e margens de segurança intramurais) parece demonstrada conforme experiências em cadáveres e clínicas de diversos autores.

A amputação do reto por acesso videolaparoscópico representa uma opção atraente no rol de procedimentos colorretais laparoscópicos, pois a operação prescinde de anastomose colorretal e a realização do tempo perineal é feita de forma idêntica à operação convencional. Além de tudo, não se faz necessário realizar incisão auxiliar para retirar a peça pois esta é extraída pelo períneo.

Em contrapartida a construção de anastomoses colorretais por laparoscopia no reto médio ou inferior no tratamento cirúrgico do CR nessas localizações não está ainda disponibilizada pelo método pois o design dos endogrampeadores disponíveis para a secção do reto que precede a construção da anastomose colorretal por duplo grampeamento é desfavorável e torna o grampeamento extremamente difícil e não raramente impossível em pelves mais estreitas. O desenvolvimento de grampeadores menores e angulados talvez permita vencer esse obstáculo num futuro próximo.

Tipos de operações

As operações utilizadas no tratamento cirúrgico do CR são:

1. amputação abdominoperineal do reto (Miles);

2. retossigmoidectomia ou ressecção anterior do reto;

3. as operações de ressecção local por via transanal, por acesso trans-sacral (Kraske) ou inter-esfinctérico (York-Mason); e

4. as ressecções ampliadas

Amputação abdominoperineal do reto (Miles)

Durante a maior parte do século 20, a operação de amputação abdominoperineal, descrita por Ernest Miles em 1908, representou o padrão ouro em termos de radicalidade oncológica contra o qual as mais modernas operações de conservação esfinctérica foram comparadas. A idealização dessa operação foi resultado da noção, à época, de que os músculos elevadores, o espaço isquioanal e mesmo a gordura subcutânea da região perineal coresponderiam a focos de disseminação do CR e, portanto, fontes para a ocorrência de recidiva local.

O procedimento compreende a remoção do cólon sigmóide, reto e músculos elevadores do ânus em conjunto com seus vasos sangüíneos e linfáticos. O procedimento resulta na construção de colostomia terminal do descendente e ferida perineal que é quase que invariavelmente fechada primariamente em tempo modernos. A operação é conduzida habitualmente por duas equipes (no abdome e no períneo) sendo o paciente posicionado na posição de semilitotomia.

As principais indicações da amputação do reto são:

· tumores situados no terço distal do reto com invasão do anel anorretal;

· tumores situados no terço médio do reto, volumosos e invasivos de órgãos adjacentes como a próstata ou a vagina, situação na qual são associadas as ressecções em conjunto dos órgãos invadidos; e

· recidiva do CR.

Com o advento da quimioirradiação do adenocarcinoma do reto distal estágio II ou III como primeira modalidade de tratamento conforme proposto em nosso meio por Habr-Gama, a principal indicação dessa operação na nossa prática clínica é na situação de resposta parcial ou ausência de resposta à quimioirradiação e, confirmada a invasão do anel anorretal , na impossibilidade de se praticar a conservação esfinctérica.

Os requisitos técnicos para a realização de uma operação oncológica que optamos por ressaltar são:

  • a ligadura na origem da artéria mesentérica inferior;
  • incisão alargada no peritônio e externa à reflexão peritoneal;
  • dissecção com excisão total do mesorreto sem emprego de dissecção romba com preservação da integridade das fáscias parietal e visceral através da correta identificação do plexo hipogástrico superior, nervos hipogástricos direito e esquerdo e plexo hipogástrico inferior;
  • incisão perineal alargada com ressecção ampla dos músculos elevadores; e
  • determinação adequada do plano de clivagem anterior (septo retovaginal e fáscia de Dennonvilliers) a fim de se determinar a necessidade de excisão alargada da vagina ou próstata.

Operações de ressecção anterior do reto (retossigmoidectomias)

As operações de retossigmoidectomia representam a técnica para o tratamento cirúrgico para o câncer de localização no reto superior e médio e para alguns cânceres de localização no reto inferior. Nessas operações, após a ressecção do reto acometido por tumor, com margem de segurança distal e radial, a continuidade do trânsito intestinal é reestabelecida através da confecção de uma anastomose colorretal ou coloanal.

A ressecção do sigmóide e do reto acometido por tumor sem realização de anastomose (operação de Hartmann) representa uma opção de exceção. Essa técnica foi descrita em 1923 por Hartmann e representava a operação de escolha para o câncer do terço superior e médio do reto em uma época em que a ressecção anterior com anastomose era pouco segura. Modernamente, pode ser utilizada com intenção paliativa (em pacientes com infiltração irressecável de outros órgãos, metastáses à distância ou mau risco cirúrgico) ou curativa em situações de mau preparo intestinal ou sépsis local (tumor perfurado) quando o risco de deiscência de anastomose está elevado. O advento dos aparelhos de sutura mecânica que otimizaram a construção de anastomoses colorretais bem como a possibilidade de reconstrução do trânsito intestinal sem incisão abdominal (acesso videolaparoscópico) renovaram o interesse por essa operação.

Á exceção das situações anteriormente citadas como indicações de ablação do aparelho esfinctérico, é correto dizer que todas as operações de ressecção do reto se iniciam como retossigmoidectomias. Os tumores de localização no reto acima da reflexão peritoneal têm comportamento biológico semelhante ao do câncer do cólon. Para esses tumores, a retossigmoidectomia com anastomose colorretal é a opção de tratamento curativo e a excisão total do mesorreto não deve ser realizada sob pena de risco elevado de deiscência anastomótica — deve ser obtida margem de ressecção no mesorreto distal ao tumor maior do que 3 cm.

Para os tumores localizados abaixo da reflexão peritoneal, a excisão total do mesorreto representa o mais importante preceito oncológico a ser perseguido e a conservação esfinctérica está condicionada à capacidade de se obter —após a dissecção no sentido distal até o nível dos elevadores— um manguito muscular de reto, logo acima do anel anorretal com a finalidade de se construir anastomose colorretal (geralmente pela técnica do duplo grampeamento). Outro recurso técnico disponível é a confecção de anastomose coloanal (denominação reservada às anastomoses entre o descendente e o canal anal ou mais freqüentemente àquelas situadas até um centímetro proximalmente à linha pectínea). Em ambas as situações, a confecção de uma ileostomia de proteção é recomendada.

Técnicas de anastomose nas retossigmoidectomias

Após a ressecção oncológica do CR, o cirurgião deve estar preparado para atender ao segundo objetivo central do tratamento do CR: reestabelecer a função. Para tanto, deve preceder à construção de uma anastomose segura, ou seja: bem vascularizada, sem tensão e sob boas condições de preparo intestinal.

De interesse histórico, vale mencionar as operações de abaixamento do cólon (pull-through procedures) quando, após a eversão do reto e ressecção do segmento acometido por tumor, o cólon mobilizado era “abaixado” por dentro do reto (abaixamento endoanal) e se procedia geralmente a uma anastomose coloanal ou colorretal retardada por acolamento ente a muscular do reto evertido e a serosa do cólon abaixado. Com o advento dos aparelhos de sutura mecânica, as operações de abaixamento de cólon entraram em desuso.

A anastomose manual em plano único de sutura extramucoso é nossa opção de preferência para a confecção de anastomoses colorretais acima da reflexão peritoneal no tratamento de tumores da transição retossigmóide.

A anastomose colorretal por grampeamento circular simples pode ser empregada desde que haja conforto para a aplicação da sutura em bolsa no reto, condições absolutamente ideais de preparo intestinal tanto do cólon proximal como no reto distal à anastomose e também é importante que o diâmetro retal não seja demasiadamente grande pois a amarradura da sutura em bolsa retal em torno do trocarte do grampeador poderá ser difícil e por consegüinte levar a falha no grampeamento.

A técnica de anastomose por duplo grampeamento ganhou a preferência dos cirurgiões principalmente porque permite a secção segura do reto diminuindo a chance de contaminação do campo operatório; com o surgimento dos grampeadores articulados e os de 30mm, permite proceder ao grampeamento linear no reto logo acima dos músculos elevadores; e também porque possibilita corrigir diferenças de calibre entre o reto e o cólon abaixado. Trata-se da opção técnica mais freqüentemente utilizada na confecção das anastomoses colorretais no reto distal.

A anastomose coloanal é uma técnica para reestabelecer a evacuação transanal após uma ressecção anterior muito baixa. Essencialmente, o cólon proximal é anastomosado ao canal em algum lugar entre a borda anal (transição entre anoderme e pele da região perianal) e o anel anorretal. Na anastomose coloanal típica, uma sutura manual é aplicada por via transanal sem eversão do reto. Essa operação foi inicialmente descrita e popularizada por Parks. No entanto, uma anastomose mecânica pode ser construída por grampeamento circular simples. Nessa técnica, após a secção do reto em nível mais distal possível e de forma a respeitar a margem de ressecção distal, a sutura em bolsa é feita por via transanal e apertada ao redor do trocarte do aparelho posicionado. A ogiva posicionada proximalmente é acoplada e o aparelho é disparado terminando a anastomose. Recomenda-se associar derivação de proteção às anastomoses coloanais.