quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Fígado Gorduroso, Cirrose e Distúrbios Relacionados


O fígado gorduroso, a hepatopatia alcoólica, a cirrose, a cirrose biliar primária, a colangite esclerosante primária e a deficiência de alfa1- antitripsina são distúrbios que parecem ser decorrentes de uma lesão hepática. Muitos fatores podem lesar o fígado, mas, em alguns desses distúrbios, a natureza da lesão é desconhecida.

Fígado Gorduroso

O fígado gorduroso é um acúmulo excessivo de gordura (lipídeos) no interior dos hepatócitos (células do fígado). Algumas vezes, a causa do fígado gorduroso é desconhecida, especialmente em recém-nascidos. Geralmente, as causas conhecidas lesam o fígado de alguma maneira. Normalmente, o fígado gorduroso é assintomático. Raramente, ele causa icterícia, náusea, vômito, dor e sensibilidade abdominal. Um exame físico que revela uma hepatomegalia (aumento de volume do fígado) sem qualquer outro sintoma sugere o fígado gorduroso.

O diagnóstico pode ser confirmado através de uma biópsia hepática, procedimento no qual é utilizada uma agulha oca e longa para se obter uma pequena amostra de tecido para exame microscópico. A mera presença de gordura excessiva no fígado não é um problema grave. O tratamento visa eliminar a causa ou tratar o distúrbio subjacente. As lesões hepáticas repetidas causadas por substâncias tóxicas (p.ex., álcool) podem, em última instância, evoluir do fígado gorduroso para a cirrose.

Hepatopatia Alcoólica

A hepatopatia alcoólica é a lesão hepática decorrente do consumo excessivo de álcool. A hepatopatia alcoólica é um problema de saúde comum e prevenível. Geralmente, o volume de álcool consumido (quantidade e freqüência) determina o risco e o grau da lesão hepática. As mulheres são mais vulneráveis à lesão hepática que os homens. Nas mulheres que consomem bebidas alcoólicas durante anos, o equivalente a somente 20 ml de álcool puro por dia (200 ml de vinho, 390 ml de cerveja ou 60 ml de uísque) pode causar lesão hepática.

Nos homens que consomem bebidas alcóolicas durante anos, o equivalente a 60 ml por dia (600 ml de vinho, 1200 ml de cerveja ou 180 ml de uísque) pode causar lesão hepática. Entretanto, a quantidade de álcool capaz de causar lesão hepática varia de indivíduo para indivíduo. O álcool pode causar três tipos de lesão hepática: o acúmulo de gordura (fígado gorduroso), a inflamação (hepatite alcoólica) e a formação de cicatrizes (cirrose). O álcool também fornece calorias sem nutrientes essenciais, diminui o apetite e causa má absorção dos nutrientes devido aos seus efeitos tóxicos sobre o intestino e o pâncreas. Conseqüentemente, os indivíduos que consomem bebidas alcoólicas diariamente sem alimentar-se adequadamente tornam-se desnutridos.

Sintomas e Diagnóstico

Em geral, os sintomas dependem de quanto tempo o indivíduo vem consumindo álcool. Os alcoolistas inveterados normalmente apresentam os primeiros sintomas em torno dos 30 anos e tendem a apresentar problemas graves em torno dos 40 anos. Nos homens, o álcool pode produzir efeitos similares aos produzidos pelo excesso de estrogênio e pela deficiência acentuada de testosterona, isto é, atrofia dos testículos e aumento das mamas.

Os indivíduos com lesão hepática devida ao acúmulo de gordura (fígado gorduroso) normalmente são assintomáticas. Em um terço deles, o fígado apresenta-se aumentado de volume e, ocasionalmente, sensível. A inflamação do fígado induzida pelo álcool (hepatite alcoólica) pode causar febre, icterícia, aumento na contagem de leucócitos (glóbulos brancos) e um fígado sensível, doloroso e aumentado de volume. A pele pode apresentar aranhas vasculares.

O indivíduo com lesão hepática acompanhada de cicatrizes (cirrose) pode apresentar poucos sintomas ou as características da hepatite alcoólica. Ele também pode apresentar complicações da cirrose alcoólica: hipertensão porta acompanhada de esplenomegalia (aumento do baço), ascite (acúmulo de líquido no interior da cavidade abdominal), insuficiência renal devida à insuficiência hepática (síndrome hepatorrenal), confusão mental (um dos principais sintomas da encefalopatia hepática) ou hepatoma (câncer de fígado). Em alguns casos, para confirmar o diagnóstico de hepatopatia alcoólica, o médico realiza uma biópsia hepática, procedimento no qual uma agulha oca é inserida através da pele e é coletado uma pequena amostra de tecido para exame microscópico.

Nos indivíduos com hepatopatia alcoólica, os resultados das provas de função hepática podem ser normais ou anormais. No entanto, o nível sangüíneo da gama-glutamil transpeptidase (uma enzima hepática), pode estar especialmente elevado nos indivíduos que consomem álcool de modo abusivo. Além disso, os eritrócitos (glóbulos vermelhos ou hemácias) do indivíduo tendem a ser maiores que o normal, um sinal revelador. A concentração de plaquetas no sangue pode estar baixa.

Causas Conhecidas de Fígado Gorduroso

• Obesidade
• Diabetes
• Substâncias químicas e drogas (álcool, corticosteróides, tetraciclinas, ácido valpróico, metotrexato, tetracloreto de carbono e fósforo amarelo)
• Desnutrição e uma dieta com carência protéica
• Gravidez
• Hipervitaminose A
• Cirurgia de derivação ( bypass) do intestino delgado
• Fibrose cística (mais provavelmente acompanhada pela desnutrição)
• Defeitos hereditários do metabolismo do glicogênio, da galactose, da tirosina ou da homocistina
• Deficiência de arildesidrogenase de cadeia média
• Deficiência de colesterol esterase
• Doença de depósito de ácido fitânico (doença de Refsum)
• Abetalipoproteinemia
• Síndrome de Reye

Prognóstico e Tratamento

Quando o indivíduo continua a consumir álcool, a lesão hepática evolui e pode ser fatal. Quando ele para de beber, parte da lesão hepática (excetuando-se as cicatrizes) pode sofrer uma auto-reparação e as chances do indivíduo viver mais tempo são boas. O único tratamento para a hepatopatia alcoólica consiste na interrupção do consumo de álcool. Essa medida pode ser extremamente difícil e a maioria dos indivíduos necessita participar de um programa formal de interrupção do consumo de álcool (p.ex., Alcoolistas ou Alcoólicos Anônimos).

Cirrose

A cirrose é a destruição do tecido hepático normal com a produção de tecido cicatricial não funcional ao redor das áreas de tecido hepático funcional. A maioria das causas comuns de lesão hepática acarretam a cirrose. Nos Estados Unidos, a causa mais comum de cirrose é o consumo abusivo de álcool. Entre os indivídos com 45 a 65 anos de idade, a cirrose é a terceira causa mais comum de morte, após as cardiopatias e os cânceres. Em muitas partes da Ásia e África, a hepatite crônica é a principal causa de cirrose.

Sintomas

Muitos indivíduos com cirrose leve são assintomáticos e parecem bem de saúde durante anos. Outros apresentam fraqueza, inapetência, sentem-se doentes e perdem peso. Quando existe uma obstrução crônica do fluxo biliar, o indivíduo apresenta icterícia, prurido e pequenos nódulos cutâneos amarelos, especialmente em torno das pálpebras. A desnutrição comumente é decorrente da inapetência e do comprometimento da absorção de gorduras e vitaminas lipossolúveis, o qual é causado pela redução da produção de sais biliares. Ocasionalmente, o indivíduo pode expectorar ou vomitar grandes quantidades de sangue em decorrência do sangramento de veias varicosas da extremidade inferior do esôfago (varizes esofágicas).

Esses vasos sangüíneos dilatados são decorrentes da pressão sangüínea elevada no interior das veias que vão do intestino ao fígado. Essa pressão sangüínea elevada, denominada hipertensão porta, juntamente com a disfunção hepática, também pode acarretar a ascite (acúmulo de líquido no interior da cavidade abdominal). Além disso, o indivíduo também pode apresentar insuficiência renal e encefalopatia hepática. Podem ocorrer outros sintomas de uma hepatopatia prolongada como, por exemplo, a emaciação (atrofia) muscular, o rubor das palmas das mãos (eritema palmar), a flexão dos dedos das mãos (contratura de Dupuytren), aranhas vasculares, a ginecomastia (aumento das mamas) nos homens, o aumento das glândulas salivares localizadas ao nível das bochechas, a atrofia testicular e a neuropatia periférica (função anormal dos nervos).

Diagnóstico

A ultra-sonografia pode mostrar um fígado aumentado de volume. A cintilografia hepática, utilizando radioisótopos, fornece uma imagem que mostra a presença de áreas funcionais e áreas de cícatrizes no fígado. Os resultados das provas de função hepática freqüentemente são normais, uma vez que, para as funções químicas essenciais, é necessária apenas uma pequena porcentagem de células hepáticas funcionais. O exame microscópico de uma amostra de tecido hepático permite ao médico estabelecer o diagnóstico definitivo.

Prognóstico e Tratamento

Normalmente, a cirrose é progressiva. Quando um indivíduo com cirrose alcoólica em fase inicial pára de beber, o processo de formação de cicatrizes no fígado é comumente interrompido, mas o tecido cicatricial existente permanecerá indefinidamente. Em geral, o prognóstico é pior quando o indivíduo apresenta complicações graves como, por exemplo, hematêmese (vômito de sangue), ascite ou disfunção cerebral (encefalopatia). O câncer de fígado (carcinoma hepatocelular) é mais comum nos indivíduos com cirrose causada por infecções crônicas pelo vírus da hepatite B ou da hepatite C, excesso de ferro (hemocromatose) e doença de depósito de glicogênio crônica.

O câncer de fígado também pode ocorrer em indivíduos com cirrose alcoólica. A cirrose não tem cura. O tratamento consiste na supressão de substâncias tóxicas (p.ex., álcool), em uma nutrição adequada com suplementação vitamínica e no tratamento das complicações, à medida que estas forem ocorrendo. O transplante de fígado pode ajudar determinados indivíduos com cirrose avançada. No entanto, quando o paciente submetido a um transplante continua a consumir álcool de forma abusiva ou quando a causa subjacente não puder ser alterada, o fígado transplantado acabará evoluindo para a cirrose.

Causas de Cirrose

• Uso abusivo de álcool
• Uso de determinadas drogas
• Exposição à determinadas substâncias químicas
• Infecções (incluindo as hepatites B e C)
• Doenças auto-imunes (incluindo a hepatite crônica auto-imune)
• Obstrução do ducto biliar
• Obstrução do fluxo sangüíneo para fora
do fígado (como a que ocorre na síndrome de Budd-Chiari)
• Distúrbios cardíacos e vasculares
• Deficiência de alfa-1-antitripsina
• Níveis séricos elevados de galactose
• Níveis séricos elevados de tirosina ao nascimento (tirosinose congênita)
• Doença de depósito de glicogênio
• Diabetes
• Desnutrição
• Acúmulo hereditário de uma quantidade excessiva de cobre (doença de Wilson)
• Excesso de ferro (hemocromatose)

Cirrose Biliar Primária

A cirrose biliar primária é a inflamação dos condutos biliares intra-hepáticos que, em última instância, acarretam a cicatrização e a obstrução dos mesmos. A cirrose biliar primária é mais comum entre as mulheres com idades entre 35 a 60 anos. A sua causa é desconhecida, mas, comumente, ela ocorre em indivíduos com doenças auto-imunes (p.ex., artrite reumatóide, esclerodermia ou tireoidite auto-imune). A cirrose biliar primária inicia com a inflamação dos condutos biliares intra-hepáticos. A inflamação impede o fluxo de bile para fora do fígado e, conseqüentemente, a bile permanece nos hepatócitos ou extravasa para o interior da corrente sangüínea. À medida que a inflamação dissemina ao restante do fígado, ocorre a formação de uma malha de tecido cicatricial através de todo o órgão.

Sintomas e Diagnóstico

Normalmente, a cirrose biliar primária apresenta um início gradual. O prurido e, às vezes, a fadiga são os sintomas iniciais em aproximadamente 50% dos indivíduos com cirrose biliar primária e estes sintomas podem preceder os demais sintomas por meses ou anos. Ao exame físico, o médico observará a existência de um fígado firme e aumentado de volume em aproximadamente 50% dos indivíduos e uma esplenomegalia (aumento do baço) em aproximadamente 25%. Cerca de 15% dos indivíduos apresentam pequenos depósitos amarelos na pele (xantoma) ou nas pálpebras (xantelasma).

Aproximadamente 10% apresentam uma maior pigmentação cutânea. Menos de 10% apresentam icterícia. Outros sintomas podem incluir o baqueteamento dos dedos (alargamento das extremidades dos dedos das mãos, os quais apresentam um aspecto de baqueta de tambor) e anormalidades dos ossos, nervos e rins. As fezes podem ser claras e gordurosas e apresentar um odor fétido. Posteriormente, podem ocorrer todos os sintomas e complicações da cirrose. Pelo menos 30% dos indivíduos têm o diagnóstico estabelecido antes da ocorrência de sintomas através das anormalidades detectadas em exames de sangue de rotina.

Em mais de 90% dos indivíduos com a doença, são detectados anticorpos antimitocôndrias (pequenas estruturas localizadas no interior das células). Quando a icterícia ou as alterações das provas de função hepática são evidentes, uma ferramenta diagnóstica útil é a colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPER). Neste procedimento, são realizadas radiografias após a injeção de uma substância radiopaca nas vias biliares através de um endoscópio. Isto mostrará a ausência de obstrução no interior das vias biliares, permitindo ao médico identificar melhor o fígado como o local do problema. O diagnóstico pode ser confirmado pelo exame microscópico de uma amostra de tecido hepático obtido através de uma biópsia hepática realizada com uma agulha oca.

Prognóstico e Tratamento

A evolução da cirrose biliar primária varia muito. Inicialmente, a doença pode não alterar a qualidade de vida e o indivíduo apresenta um prognóstico relativamente bom. Os indivíduos com uma doença que piora lentamente parecem viver mais tempo. Em alguns, a doença evolui inexoravelmente, culminando em uma cirrose grave em poucos anos. O prognóstico é ruim para os indivíduos que apresentam um nível de bilirrubina elevado no sangue (icterícia). A maioria dos indivíduos apresenta osteoporose (doença metabólica óssea).

A cirrose biliar primária não tem cura. O prurido pode ser controlado com a administração de colestiramina. Pode ser necessária a suplementação de cálcio e das vitaminas A, D e K, pois, quando existe uma deficiência de bile, esses nutrientes não são adequadamente absorvidos. O medicamento ursodiol (ácido ursodesoxicólico) parece reduzir de alguma forma a evolução da doença e, em geral, ele é bem tolerado. O transplante de fígado é o melhor tratamento para os indivíduos nos estágios finais com complicações. O prognóstico do fígado transplantado é muito bom. Não está muito claro se ocorrerá recorrência da cirrose biliar primária no fígado transplantado.

Colangite Esclerosante Primária

A colangite esclerosante primária é a inflamação dos condutos biliares intra e extra-hepáticos que, finalmente, acarreta cicatrização e obstrução dos mesmos. Na colangite esclerosante primária, o tecido cicatricial estreita e, em última instância, bloqueia os ductos, causando a cirrose. A sua causa é desconhecida, mas é provável que ela esteja relacionada a anormalidades do sistema imune. A doença afeta mais freqüentemente homens jovens. Ela ocorre comumente em indivíduos com doença intestinal inflamatória, sobretudo a colite ulcerativa.

Sintomas e Diagnóstico

Comumente, a doença inicia de modo gradual, produzindo fadiga, prurido e icterícia que aumentam progressivamente. O indivíduo pode apresentar crises de dor na região abdominal superior e febre causada pela inflamação dos ductos biliares. No entanto, essas crises são incomuns. O indivíduo afetado pode apresentar hepatoesplenomegalia (aumento de fígado e de baço) ou sintomas de cirrose. Além disso, ele pode apresentar hipertensão porta, ascite e insuficiência hepática, que pode ser fatal.

Normalmente, o diagnóstico é estabelecido através da colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPER) ou da colangiografia percutânea. Na CPER, são realizadas radiografias após a injeção de uma substância radiopaca nos ductos biliares através de um endoscópio. Na colangiografia percutânea, as radiografias são realizadas após a injeção direta de uma substância radiopaca nos ductos biliares. Para confirmar o diagnóstico, pode ser necessário o exame microscópico de uma amostra de tecido hepático obtida através de uma biópsia hepática com uma agulha oca.

Prognóstico e Tratamento

Alguns indivíduos permanecem assintomáticos por até 10 anos (a doença sendo detectada através das provas de função hepática de rotina). Normalmente, a colangite esclerosante primária apresenta uma piora gradual. Medicamentos como os corticosteróides, a azatioprina, a penicilamina e o metotrexato não demonstraram muita eficácia e podem causar graves efeitos adversos. O valor do ursodiol ainda é obscuro. A colangite esclerosante primária pode exigir um transplante de fígado, o qual é a única cura conhecida para essa doença, a qual, de outro modo, é fatal.

A infecção recorrente dos ductos biliares (colangite bacteriana) é uma complicação da doença e deve ser tratada com antibióticos. Os ductos estenosados podem ser dilatados através de um procedimento endoscópico ou cirúrgico. O câncer das vias biliares (colangiocarcinoma) ocorre em 10 a 15% dos indivíduos com colangite esclerosante primária. O tumor é de crescimento lento e o tratamento inclui a realização de um procedimento endoscópico para a colocação de stents nos ductos biliares para abrir os ductos comprometidos. Ocasionalmente, a cirurgia é necessária.

Deficiência de Alfa1-Antitripsina

A deficiência de alfa1-antitripsina é um distúrbio no qual uma deficiência congênita de alfa1-antitripsina pode causar doença pulmonar e hepática. A alfa1-antitripsina, uma enzima produzida pelo fígado, está presente na saliva, no líquido duodenal, nas secreções pulmonares, nas lágrimas, nas secreções nasais e no líquido cefalorraquidiano. Esta enzima inibe a ação de outras enzimas que quebram as proteínas. A deficiência de alfa1-antitripsina permite que as demais enzimas lesem os tecidos pulmonares. A baixa concentração de alfa1-antitripsina no sangue representa uma incapacidade do fígado de secretála. A sua retenção no interior dos hepatócitos pode causar lesão, fibrose (cicatrizes) e cirrose.

Sintomas e Diagnóstico

Até 25% das crianças com deficiência de alfa1- antitripsina apresentam cirrose e hipertensão porta, morrendo antes de atingirem os 12 anos de idade. Cerca de 25% morrem em torno dos 20 anos. Outros 25% apresentam somente pequenas alterações heáticas e atingem a idade adulta. Os 25% restantes não apresentam evidências de doença progressiva. A deficiência de alfa1-antitripsina é incomum em adultos e, mesmo quando presente, ela pode não causar cirrose. Mais comumente, os adultos com o distúrbio apresentam enfisema, uma doença pulmonar que acarreta uma dificuldade respiratória progressiva. Ocasionalmente, o câncer de fígado pode ocorrer.

Tratamento

A terapia de reposição utilizando a alfa1- antitripsina sintética demonstrou alguma eficácia, mas o transplante de fígado persiste sendo o único tratamento eficaz. Normalmente, a lesão hepática não reaparece no fígado transplantado, o qual produz alfa1-antitripsina. O tratamento de adultos é normalmente dirigido para a doença pulmonar. As medidas incluem a prevenção da infecção e a interrupção do tabagismo.
Fonte: Manual Merck

Manifestações Clínicas das Doenças do Fígado


As hepatopatias (doenças do fígado) podem manifestar-se de modos muito diferentes. As manifestações das hepatopatias que são particularmente importanes incluem a icterícia, a colestase, a hepatomegalia (aumento do fígado), a hipertensão porta, a ascite, a encefalopatia hepática e a insuficiência hepática. Ao realizar o diagnóstico de uma hepatopatia, o médico leva em consideração a descrição dos sintomas feita pelo paciente e realiza um exame físico.

Icterícia

A icterícia é a coloração amarelada da pele e das escleras (branco dos olhos) causada por concentrações anormalmente elevadas da bilirrubina (pigmento biliar) no sangue. Os eritrócitos (glóbulos vermelhos ou hemácias) velhos ou lesados são removidos da circulação principalmente pelo baço. Durante o processo, a hemoglobina, a parte do eritrócito que transporta oxigênio, é transformada em bilirrubina. A bilirrubina é transportada até o fígado e excretada no intestino como um componente da bile. Quando a excreção da bilirrubina é comprometida, ocorre um aumento de sua concentração no sangue, acarretando o surgimento da icterícia.

A concentração elevada de bilirrubina no sangue pode ocorrer quando uma inflamação ou outras alterações dos hepatócitos (células do fígado) impedem a sua excreção para a bile. Alternativamente, os ductos biliares extra-hepáticos (situados fora do fígado) podem ser obstruídos por um cálculo biliar ou por um tumor. Menos comumente, podem ocorrer níveis elevados de bilirrubina em decorrência da destruição de grandes quantidades de eritrócitos, como ocorre, algumas vezes, em recém-nascidos com icterícia. Na síndrome de Gilbert, o nível de bilirrubina encontra-se discretamente elevado, mas, normalmente, não o suficiente para causar icterícia. Esse distúrbio (algumas vezes hereditário) comumente é descoberto casualmente em provas da função hepática de rotina. Ele não produz outros sintomas e não causa problemas.

Sintomas

Na icterícia, a pele e as escleras tornam-se amarelas. Freqüentemente, a urina é escura, pois a bilirrubina é excretada pelos rins. O surgimento de outros sintomas depende da causa da icterícia. Por exemplo, a hepatite (inflamação do fígado) pode causar perda do apetite, náusea, vômito e febre. A obstrução da bile pode produzir os sintomas da colestase.

Diagnóstico e Tratamento

O médico utiliza exames laboratoriais e de diagnóstico por imagens para determinar a causa da icterícia. Quando o problema é uma doença do próprio fígado (p.ex., uma hepatite viral), a icterícia normalmente desaparecerá quando a condição do fígado melhorar. Quando o problema é a obstrução de um ducto biliar, a cirurgia ou a endoscopia (procedimento que utiliza um tubo de visualização flexível com instrumentos cirúrgicos acoplados) é realizada o mais breve possível para desobstruir o ducto biliar afetado.

Colestase

A colestase é a redução ou a interrupção do fluxo biliar. O fluxo biliar pode ser comprometido em qualquer ponto entre os hepatócitos e o duodeno (a porção superior do intestino delgado). Apesar da bile não estar fluindo, o fígado continua a produzir bilirrubina, que escapa para o interior da corrente sangüínea. A bilirrubina é então depositada na pele e eliminada na urina, causando icterícia. Para propósitos diagnósticos e terapêuticos, as causas de colestase são divididas em dois grupos: as intra-hepáticas (originadas no interior do fígado) e as extra-hepáticas (originadas fora do fígado). As causas intra-hepáticas incluem a hepatite, a hepatopatia alcoólica, a cirrose biliar primária, efeitos de drogas/medicamentos e efeitos de alterações hormonais durante a gravidez (condição conhecida como colestase da gravidez). As causas extra-hepáticas incluem o cálculo no interior de um ducto biliar, a estenose (estreitamento) de um ducto biliar, o câncer de um ducto biliar, o câncer de pâncreas e a inflamação do pâncreas.

Principais Características Clínicas das Hepatopatias

Icterícia

Hepatomegalia (aumento do fígado) Ascite (acúmulo de líquido na cavidade abdominal)

Confusão mental decorrente da encefalopatia Sangramento gastrointestinal devido a ruptura de varizes Hipertensão porta

Pele
• Aranhas vasculares (vasos sangüíneos semelhantes a uma aranha)
• Palmas das mãos vermelhas
• Manchas cutâneas
• Prurido

Sangue
• Diminuição do número de eritrócitos (anemia)
• Diminuição do número de leucócitos (leucopenia)
• Diminuição do número de plaquetas (trombocitopenia)
• Tendência ao sangramento (coagulopatia)

Hormônios
• Níveis elevados de insulina, mas uma má resposta a ela
• Cessação dos períodos menstruais e diminuição da fertilidade (em mulheres)
• Impotência e feminização (em homens)

Coração e vasos sangüíneos
• Aumento da freqüência cardíaca e do volume sangüíneo
• Hipotensão arterial (pressão arterial baixa)

Geral
• Fadiga
• Fraqueza
• Perda de peso
• Inapetência
• Náusea
• Febre


Sintomas

A icterícia e a urina escura são decorrentes do excesso de bilirrubina na pele e na urina, respectivamente. Algumas vezes, as fezes são claras devido à ausência de bilirrubina no intestino. Alem disso, as fezes podem conter um excesso de gorduras (condição denominada esteatorréia), pois não existe bile no intestino para ajudar na digestão das gorduras alimentares. A ausência de bile no intestino também acarreta uma absorção inadequada de cálcio e de vitamina D. Se a colestase persistir, a falta desses nutrientes poderá causar perda óssea, que pode acarretar dores ósseas e fraturas.

As substâncias necessárias para a coagulação sangüínea também são mal absorvidas, acarretando uma propensão ao sangramento fácil. A retenção de produtos da bile na circulação pode pode causar prurido e, conseqüentemente, lesões cutâneas devidas ao ato de coçar. A icterícia prolongada devida a uma colestase acarreta uma alteração da coloração da pele, passando a ter uma cor de barro, e a formação de depósitos amarelos (de gordura) na pele. A causa da colestase determina se o indivíduo apresentará outros sintomas como, por exemplo, dor abdominal, perda de apetite, vômito ou febre.

Diagnóstico

Para determinar se a causa é intra-hepática, o médico questiona o indivíduo sobre a existência de sintomas da hepatite, sobre o consumo excessivo de bebidas alcoólicas ou sobre o uso recente de drogas que causam colestase. Pequenos vasos sangüíneos semelhantes a aranhas (aranhas vasculares), um baço aumentado de volume e a ascite (acúmulo de líquido na cavidade abdominal) são sinais de comprometimento dos hepatócitos (células do fígado). Se a causa for extrahepática, o indivíduo pode apresentar calafrios, dor nas vias biliares ou no pâncreas e uma vesícula biliar aumentada, que pode ser palpada durante o exame físico ou detectada através de exames diagnósticos por imagem.

Comumente, o nível sangüíneo de uma enzima denominada fosfatase alcalina encontra-se muito elevado nos indivíduos com colestase. A dosagem da bilirrubina no sangue indica a gravidade da colestase, mas não a sua causa. A ultra-sonografia e/ou a tomografia computadorizada (TC) quase sempre são realizadas quando o resultado do exame de sangue é anormal. Esses procedimentos ajudam o médico a diferenciar uma hepatopatia de uma obstrução das vias biliares. Quando a causa parece ser intra-hepática, pode ser realizada uma biópsia hepática (remoção de uma amostra de tecido para exame microscópico). Normalmente, a biópsia estabelece o diagnóstico. Quando a causa parece ser uma obstrução das vias biliares, o médico freqüentemente realiza um procedimento endoscópico (utilizando um tubo de visualização flexível) para esclarecer a natureza da obstrução.

Tratamento

Normalmente, a obstrução extra-hepática pode ser tratada cirurgicamente ou através de um procedimento endoscópico (procedimento realizado com o auxílio de um tubo de visualização flexível com instrumentos cirúrgicos acoplados). Dependendo da sua causa, a obstrução intra-hepática pode ser tratada de várias maneiras. Quando existe a suspeita da causa ser um medicamento, o indivíduo deve interromper o seu uso. Quando a causa da obstrução é uma hepatite, a icterícia e a colestase desaparecem no decorrer da doença. Para tratar o prurido, pode ser administrada a colestiramina pela via oral.

Este medicamento ligase a determinados produtos da bile no intestino e impede a sua reabsorção. Conseqüentemente, eles não irritarão a pele. Exceto quando o fígado encontra-se gravemente comprometido, a administração de vitamina K pode melhorar a coagulação sangüínea. Quando a colestase persiste, podem ser administrados suplementos de cálcio e de vitamina D. No entanto, eles não são muito eficazes na prevenção da doença óssea. Quando ocorre uma excreção excessiva de gordura nas fezes, o indivíduo pode necessitar de suplementação de triglicerídeos.

Hepatomegalia

A hepatomegalia (aumento do fígado) indica a existência de uma hepatopatia (doença do fígado). No entanto, muitos indivíduos com hepatopatia apresentam um fígado de tamanho normal ou mesmo menor do que o normal. Normalmente, a hepatomegalia é assintomática (não produz sintomas). Entretanto, quando o aumento de volume é acentuado, ele pode causar desconforto abdominal ou uma sensação de plenitude.

Quando o aumento de volume do fígado ocorre rapidamente, o fígado pode tornarse sensível à palpação. O médico comumente avalia o tamanho do fígado palpando-o através da parede abdominal durante o exame físico. Ao palpar o fígado, o médico também observa a sua textura. Quando aumentado de volume devido a uma hepatite aguda, a uma infiltração gordurosa, a uma congestão sangüínea ou a uma obstrução inicial das vias biliares, o fígado normalmente é macio. Quando o aumento é causado por uma cirrose, o fígado é firme e irregular. A presença de nódulos bem definidos normalmente sugere um câncer.

Hipertensão Porta

A hipertensão porta é definida como uma pressão sangüínea anormalmente elevada na veia porta, uma veia de grande calibre que transporta o sangue do intestino ao fígado. A veia porta recebe o sangue oriundo de todo o intestino, do baço, do pâncreas e da vesícula biliar. Após entrar no fígado, o sangue é distribuído para pequenos canais disseminados por todo o órgão. Ao deixar o fígado, o sangue retorna à circulação geral através da veia hepática.Dois fatores podem aumentar a pressão sangüínea nos vasos sangüíneos do sistema porta: o volume de sangue que circula através dos vasos e o aumento da resistência ao fluxo sangüíneo através do fígado.

Nos países ocidentais, a causa mais comum de hipertensão porta é o aumento da resistência ao fluxo sangüíneo causado pela cirrose. A hipertensão porta acarreta o desenvolvimento de veias (denominadas vasos colaterais) que conectam o sistema porta à circulação geral. Os vasos colaterais desenvolvem-se em locais específicos, sendo o mais importante a extremidade inferior do esôfago. Neste local, os vasos tornam-se congestionados e tortuosos, isto é, tornam-se veias varicosas (denominadas varizes esofágicas). Esses vasos congestionados são frágeis e apresentam tendência ao sangramento, o qual pode, algumas vezes, ser grave. Outros vasos colaterais podem desenvolver-se em torno da cicatriz umbilical e no reto.

Sintomas e Diagnóstico

Freqüentemente, a hipertensão porta acarreta aumento de volume do baço. Pode ocorrer extravasamento de líquido que irá se acumular no interior da cavidade abdominal (ascite), causando distensão abdominal. As veias varicosas localizadas na extremidade inferior do esôfago e no revestimento gástrico sangram facilmente e, algumas vezes, o sangramento é abundante. As veias. varicosas localizadas no reto também podem sangrar, embora isto seja muito menos comum. Normalmente, o médico consegue palpar um baço aumentado de volume através da parede abdominal.

A presença de líquido no interior da cavidade abdominal pode ser detectada através da observação da distensão abdominal e da audição de um som surdo à percussão abdominal. A ultra-sonografia e radiografias fornecem informações substanciais sobre a hipertensão porta. A ultra-sonografia pode ser utilizada para se observar o fluxo sangüíneo nos vasos do sistema porta e para se detectar a presença de ascite (líquido no interior da cavidade abdominal). A tomografia computadorizada (TC) também pode ser utilizada para examinar as veias dilatadas. A pressão do sistema porta pode ser mensurada diretamente com o auxílio de uma agulha inserida através da parede abdominal até o interior do fígado ou do baço.

Causas de Ascite

Distúrbios Hepáticos
• Cirrose, especialmente a causada pelo alcoolismo
• Hepatite alcoólica sem cirrose
• Hepatite crônica
• Obstrução da veia hepática

Distúrbios Não Hepáticos
• Insuficiência cardíaca
• Insuficiência renal, especialmente a síndrome nefrótica
• Pericardite constritiva
• Carcinomatose, na qual o câncer dissemina para áreas da cavidade abdominal
• Tuberculose afetando o peritôneo (revestimento da cavidade abdominal)
• Hipoatividade da tireóide
• Inflamação do pâncreas


Tratamento

Para reduzir o risco de sangramento das varizes esofágicas, o médico pode tentar reduzir a pressão da veia porta. Uma forma de fazê-lo é administrar propranolol, um medicamento utilizado no tratamento da hipertensão arterial. O sangramento de varizes esofágicas é uma emergência médica. Para contrair as veias sangrantes, pode ser realizada a administração intravenosa de medicamentos como a vasopressina ou a octreotida. Para repor o sangue perdido, podem ser realizadas transfusões sangüíneas. Normalmente, é realizada uma endoscopia para se confirmar que a origem do sangramento são as varizes.

As veias podem então ser bloqueadas com faixas elásticas ou com injeções de substâncias químicas administradas através do endoscópio. No caso de persistência do sangramento, pode ser utilizado um cateter que possui um balão em sua extremidade. Este dispositivo é passado através de uma das narinas do indivíduo e avançado até o esôfago. A insuflação do balão comprime as veias varicosas e, normalmente, interrompe o sangramento.

Quando o sangramento persiste ou recorre repetidamente, o indivíduo pode ser submetido a uma cirurgia de derivação (bypass ou shunt) entre o sistema venoso porta e o sistema venoso sistêmico (geral). Este procedimento diminui a pressão da veia porta, pois a pressão é muito mais baixa no sistema venoso sistêmico. Existem vários tipos de cirurgia de derivação porto-sistêmica, inclusive um tipo que pode ser realizado no setor de radiologia, sob orientação radiográfica e com o auxílio de instrumentos especiais. No que diz respeito à interrupção, as cirurgias de derivação normalmente são eficazes, mas são relativamente perigosas. Elas também aumentam o risco de disfunção cerebral devido à insuficiência hepática (encefalopatia hepática).

Ascite

A ascite é o acúmulo de líquido no interior da cavidade abdominal. A ascite tende a ocorrer em distúrbios crônicos (de longa duração) e não em distúrbios agudos (de curta duração). Ela ocorre mais comumente na cirrose, especialmente na cirrose alcoólica. A ascite também pode ocorrer em doenças não hepáticas como, por exemplo, o câncer, a insuficiência cardíaca, a insuficiência renal e a tuberculose.

Nos indivíduos com uma hepatopatia (doença do fígado), o líquido extravasa da superfície do fígado e do intestino. A responsabilidade pela ocorrência da ascite recai em uma combinação de fatores, como: hipertensão portal, diminuição da capacidade dos vasos sangüíneos em reter líquido, retenção de líquido pelos rins e alterações em diversos hormônios e substâncias químicas que regulam os líquidos do corpo.

Sintomas e Diagnóstico

O acúmulo de pequenas quantidades de líquido no interior da cavidade abdominal normalmente não causa sintomas. No entanto, o acúmulo de um grande volume pode causar distensão e desconforto abdominais, assim como dificuldade respiratória. À percussão abdominal, o líquido produz um som surdo. Quando o abdômen contém uma grande quantidade de líquido, ele torna-se tenso e a cicatriz umbilical pode tornar-se plana ou protuberante.

Alguns indivíduos com ascite apresentam edema (inchaço) dos tornozelos devido ao excesso de líquido. Quando a presença ou causa da ascite é duvidosa, a ultra-sonografia pode ser utilizada para elucidação. Alternativamente, pode ser realizada a coleta de uma pequena amostra de líquido através de uma punção com agulha através da parede adominal, procedimento denominado paracentese diagnóstica. Os exames laboratoriais do líquido podem ajudar a determinar a causa.

Tratamento

O tratamento básico da ascite é o repouso ao leito e a dieta sem sal, normalmente combinados com a administração de drogas diuréticas, as quais fazem com que os rins excretem mais líquido na urina. Quando a ascite produz dificuldade respiratória ou para se alimentar, pode ser realizada a remoção do líquido através de um procedimento denominado paracentese terapêutica.

O líquido tende a acumular novamente no interior da cavidade abdominal, exceto quando o indivíduo também faz uso de diurético. Freqüentemente, ocorre uma grande perda de albumina (a principal proteína plasmática) do sangue para o líquido abdominal e, por essa razão, a albumina pode ser administrada pela via intravenosa. Ocasionalmente, ocorre o desenvolvimento de uma infecção no líquido ascítico sem uma causa aparente, especialmente nos indivíduos com cirrose alcoólica. Esta infecção é denominada peritonite bacteriana espontânea e é tratada com antibióticos.

Encefalopatia Hepática

A encefalopatia hepática (também denominada encefalopatia porto-sistêmica, encefalopatia hepática ou coma hepático) é um distúrbio no qual ocorre uma deterioração da função cerebral devido ao acúmulo de substâncias tóxicas no sangue, as quais são normalmente removidas pelo fígado. As substâncias absorvidas para o interior da corrente sangüínea a partir do intestino passam através do fígado, onde as toxinas são removidas. Na encefalopatia hepática, as toxinas não são removidas por causa da disfunção hepática.

Além disso, como pode ocorrer a formação de conexões entre o sistema porta e a circulação geral (como resultado da hepatopatia), algumas toxinas podem concomitantemente desviar do fígado. Uma derivação cirúrgica (bypass) para corrigir a hipertensão porta (derivação portosistêmica) pode ter o mesmo efeito. Qualquer que seja a causa, o resultado será o mesmo. As toxinas podem atingir o cérebro e afetar a sua função.

Desconhece-se com exatidão quais são as substâncias tóxicas para o cérebro. No entanto, os níveis sangüíneos elevados de produtos da degradação metabólica das proteínas (p.ex., amônia) podem ter um papel. Em um indivíduo com hepatopatia crônica (de longa duração), a encefalopatia normalmente é desencadeada por um evento como, por exemplo, uma infecção aguda ou um consumo excessivo de bebidas alcoólicas, o qual aumenta o dano hepático.

Por outro lado, a encefalopatia pode ser desencadeada pelo consumo excessivo de proteínas, o que aumenta o nível de produtos da degradação metabólica das proteínas no sangue. A hemorragia digestiva (p.ex., a decorrente da ruptura de varizes esofágicas) também pode acarretar um acúmulo de produtos da degradação metabólica das proteínas, o qual pode afetar diretamente o cérebro. Alguns medicamentos (sobretudo alguns sedativos, analgésicos e diuréticos) também podem desencadear a encefalopatia. Quando a causa desencadeante é removida, a encefalopatia pode desaparecer.

Sintomas e Diagnóstico

Os sintomas da encefalopatia hepática são decorrentes de uma diminuição da função cerebral, especialmente o comprometimento do nível de consciência. Nos primeiros estágios, o indivíduo pode apresentar alterações sutis do raciocínio lógico, da personalidade e do comportamento. Ele pode apresentar alteração do humor e a sua capacidade de julgamento pode ser comprometida. Com a evolução do distúrbio, o indivíduo normalmente torna-se sonolento, confuso e sua fala e seus movimentos tornam-se lentos.

A desorientação é comum. Um indivíduo com encefalopatia pode tornar-se agitado ou excitado, mas isto é incomum. As crises convulsivas também são incomuns. Finalmente, o indivíduo pode apresentar perda de consciência e entrar em coma. Os sintomas do comprometimento da função cerebral em um indivíduo com hepatopatia representam fortes indícios para o diagnóstico. Além disso, o indivíduo pode apresentar um hálito adocicado. Quando ele estende os braços, as mãos não podem ser mantidas firmes e o indivíduo apresenta movimentos adejantes grosseiros. Um eletroencefalograma (EEG) pode ajudar no diagnóstico precoce de uma encefalopatia. Mesmo em casos leves, o EEG revela ondas cerebrais anormais. Normalmente, os exame de sangue mostram níveis anormalmente elevados de amônia.

Tratamento

O médico procura e tenta remover qualquer causa desencadeante como, por exemplo, uma infecção ou um medicamento que o indivíduo esteja utilizando. Ele também tenta eliminar as substâncias tóxicas dos intestinos. As proteínas são eliminadas da dieta e a principal fonte de calorias serão os carboidratos, os quais são administrados pela via oral ou intravenosa. A lactulose (um açúcar sintético) administrada pela via ora produz três efeitos benéficos: ela altera a acidez intestinal e, conseqüentemente, altera o tipo de bactérias presentes; ela diminui a absorção da amônia; e ela atua como laxante. (Enemas evacuadores também podem ser administrados.)

Ocasionalmente, o indivíduo pode tomar neomicina (um antibiótico) no lugar da lactulose. A neomicina reduz a quantidade de bactérias intestinais que normalmente auxiliam na digestão das proteínas. Com o tratamento, a encefalopatia hepática é freqüentemente reversível. Na realidade, a recuperação completa é possível, especialmente quando a encefalopatia foi desencadeada por uma causa reversível. Contudo, para um indivíduo em coma severo como conseqüência de uma inflamação aguda do fígado, a condição é fatal em até 80% dos casos apesar do tratamento intensivo.

Insuficiência Hepática

A insuficiência hepática é uma deterioração grave da função hepática. A insuficiência hepática pode ser decorrente de qualquer tipo de distúrbio hepático como, por exemplo, hepatite viral, cirrose e a hepatopatia alcoólica (lesão hepática devido ao consumo de álcool) ou medicamentosa (causada por medicamentos como, por exemplo, o acetaminofeno). Para que uma insuficiência hepática ocorra, deve haver uma lesão de grande porção do fígado.

Sintomas e Diagnóstico

O indivíduo com insuficiência hepática comumente apresenta icterícia, uma tendência à confusão mental ou ao sangramento, ascite, comprometimento da função cerebral (encefalopatia hepática) e uma deterioração do estado geral da saúde. Outros sintomas comuns incluem a fadiga, a fraqueza, a náusea e a perda do apetite. As manifestações clínicas isoladamente provêem fortes evidências da existência de uma insuficiência hepática. Os exames de sangue normalmente revelam uma disfunção hepática grave.

Prognóstico e Tratamento

O tratamento depende da causa e de manifestações clínicas específicas. Normalmente, o indivíduo é submetido a uma dieta restrita. O consumo de proteínas é rigorosamente controlado: o excesso de proteínas pode causar disfunção cerebral e a deficiência pode causar perda de peso. O consumo de sódio é mantido em níveis baixos para tratar a ascite (acúmulo de líquido no interior da cavidade abdominal).

O consumo de álcool é completamente proscrito, pois ele pode agravar a lesão hepática. Finalmente, a insuficiência hepática é fatal quando não tratada ou quando a hepatopatia for progressiva. Mesmo com tratamento, ela pode ser irreversível. Nos casos terminais, o indivíduo pode morrer devido à insuficiência renal (síndrome hepatorrenal) quando ocorre falência do fígado. O transplante de fígado, quando realizado no momento oportuno, pode restaurar a saúde normal do indivíduo, mas ele é adequado somente para uma pequena minoria de pacientes com insuficiência hepática.

Exames Diagnósticos, Distúrbios do Fígado e da Vesícula


Os laboratórios podem realizar uma variedade de exames que ajudam os médicos a avaliarem distúrbios hepáticos, da vesícula biliar e das vias biliares. Entre os mais importantes encontra-se um grupo de exames de sangue conhecido como provas da função hepática. Dependendo da suspeita diagnóstica apresentada pelo paciente, o médico também pode solicitar alguns exames de diagnóstico por imagem como, por exemplo, uma ultra-sonografia, uma tomografia computadorizada ou uma ressonância magnética. O médico também pode realizar uma biópsia hepática (obtenção de uma amostra de tecido hepático para exame microscópico).

Exames Laboratoriais e de Diagnóstico por Imagem

Os exames da respiração mensuram a capacidade do fígado de metabolizar várias drogas. A droga, marcada com um marcador radioativo, pode ser administrada pela via oral ou intravenosa. O nível de radioatividade encontrado na respiração do indivíduo é uma medida da quantidade da droga metabolizada pelo fígado. A ultra-sonografia utiliza ondas sonoras para gerar imagens do fígado, da vesícula biliar e vias biliares. O exame é melhor para detectar anormalidades estruturais (p.ex.,tumores) do que anormalidades difusas (p.ex., cirrose). É a técnica mais barata, mais segura e mais sensível para a geração de imagens da vesícula biliar e das vias biliares.

Provas de Função Hepática

As provas de função hepática são realizadas em amostras de sangue. A maioria dos exames mensuram os níveis de enzimas ou de outras substâncias no sangue como uma maneira de se diagnosticar distúrbios hepáticos. Um dos exames mede o tempo necessário para que ocorra a coagulação do sangue.

Exame O que é medido O que o exame pode indicar
Fosfatase alcalina Uma enzima produzida pelo fígado, pelos ossos e pela placenta e que é liberada na corrente sangüínea durante uma lesão ou durante atividades normais como o crescimento ósseo ou a gravidez Obstrução do ducto biliar, lesão hepática e alguns cânceres
Alanina transaminase (ALT) Enzima produzida pelo fígado que é liberada na corrente sangüínea quando ocorre lesão de células hepáticas Lesão celular hepática (p.ex., hepatite)
Aspartato transaminase (AST) Enzima liberada na corrente sangüínea quando ocorre uma lesão hepática, cardíaca, muscular ou cerebral Lesão hepática, cardíaca, muscular ou cerebral
Bilirrubina Componente do suco digestivo (bile) produzido pelo fígado Obstrução do fluxo da bile, lesão hepática, destruição excessiva de eritrócitos (a partir dos quais a bilirrubina é formada)
Gamaglutamil transpeptidase Enzima produzida pelo fígado, pelo pâncreas e pelos rins e que é liberada na corrente sangüínea quando esses órgãos são lesados Lesão orgânica, intoxicação por drogas/ medicamentos, abuso de álcool, doenças do pâncreas
Desidrogenase láctica Enzima liberada na corrente sangüínea quando determinados órgãos são lesados Lesão hepática, cardíaca, pulmonar ou cerebral e destruição excessiva de eritrócitos
5’-nucleotidase Enzima presente apenas no fígado e liberada na corrente sangüínea quando ele é lesado Obstrução do ducto biliar ou comprometimento do fluxo biliar
Albumina Proteína produzida pelo fígado e normalmente liberada no sangue. Uma das funções da albumina é reter líquido no interior dos vasos sangüíneos Lesão hepática
Alfafetoproteína Proteína produzida pelo fígado e testículos do feto Hepatite grave ou câncer do fígado ou dos testículos
Anticorpos mitocondriais Anticorpos circulantes contra a mitocôndria, um componente interno das células Cirrose biliar primária e certas doenças auto-imunes (p.ex., hepatite crônica ativa)
Tempo de protrombina Tempo necessário para que o sangue coagule (a coagulação requer vitamina K e substâncias sintetizadas pelo fígado) Lesão hepática ou deficiência da absorção de vitamina K causada por uma carência de bile


Utilizando a ultra-sonografia, o médico pode detectar imediatamente a presença de cálculos na vesícula biliar. A ultra-sonografia distingue facilmente a icterícia causada por uma obstrução do ducto biliar daquela causada pela disfunção celular hepática. Um tipo de ultra-sonografia, a ultra-sonografia com Doppler vascular, pode ser utilizada para mostrar a circulação nos vasos sangüíneos hepáticos. O médico também pode utilizar a ultra-sonografia como guia durante a realização de biópsia com agulha. A cintilografia com radionuclídeos (radio-isótopos) utiliza uma substância contendo um marcador radioativo que é injetado no corpo e captado por um determinado órgão. A radioatividade é detectada por uma câmara de raios gama conectada a um computador, o qual então gera uma imagem. A cintilografia hepática é um tipo de exame que utiliza radionuclídeos que são absorvidos pelos hepatócitos (células do fígado).

A cintilografia das vias biliares é um outro tipo de exame que utiliza radionuclídeos que são excretados pelo fígado no interior das vias biliares. Ela é utilizada para detectar a inflamação aguda da vesícula biliar (colecistite). A tomografia computadorizada (TC) pode fornecer imagens excelentes do fígado e é particularmente útil na detecção de tumores. Ela consegue detectar distúrbios difusos (p.ex., fígado gorduroso) e tecido hepático com densidade anormal devida à hemocromatose (depósito excessivo de ferro). No entanto, como a TC utiliza raios X e é cara, ela não é tão amplamente utilizada quanto a ultra-sonografia.

A ressonância magnética (RM) fornece imagens excelentes, semelhantes as geradas pela TC. No entanto, a RM apresenta algumas desvantagens: ela é mais cara que a TC, é mais longa que os outros métodos de diganóstico por imagem e o paciente deve permanecer deitado no interior de uma câmara estreita, o que pode fazer com que alguns indivíduos apresentem claustrofobia. A colangiopancreatografia endoscópica retrógrada é um exame no qual um endoscópio (um tubo de visualização flexível) é inserido na boca e passado através do estômago e do duodeno até as vias biliares. Em seguida, é injetado um contraste (uma substância radiopaca) nos ductos das vias biliares e são realizadas radiografias.

Em 3% a 5% dos pacientes, este exame causa pancreatite (inflamação do pâncreas). A colangiografia transhepática percutânea consiste na inserção de uma agulha longa através da pele até o fígado e, em seguida, na injeção de um contraste em um dos ductos biliares do fígado. O médico pode utilizar a ultra-sonografia como guia durante a inserção da agulha. As radiografias revelam com nitidez as vias biliares, sobretudo um bloqueio presente no interior do fígado. A colangiografia intra-operatória utiliza um contraste (uma substância radiopaca) visível nas radiografias. Durante a cirurgia, o contraste é injetado diretamente nos ductos das vias biliares. Em seguida, são realizadas radiografias, as quais mostram imagens nítidas das vias biliares. Freqüentemente, as radiografias simples podem revelar a presença de um cálculo biliar calcificado.

Técnicas Radiográficas para Avaliação das Vias Biliares

Essas três técnicas diagnósticas utilizam um contraste radiopaco para delinear as vias biliares nas radiografias.

Colangiopancreatografia
Endoscópica Retrógrada
Colangiografia Transhepática
Percutânea
Colangiografia
Intra-Operatória
Na colangiopancreatografia
endoscópica retrógrada (CPER), um contraste radiopaco é introduzido através de um endoscópio, que é inserido na boca e passado através do estômago até o duodeno (porção superior do intestino delgado). O contraste é introduzido através do esfíncter de Oddi e, em seguida, ele reflui em direção ao sistema biliar.
Na colangiografia trans-hepática
percutânea, um contraste
radiopaco é injetado através da pele diretamente num pequeno conduto biliar no fígado. Em seguida, o contraste flui através do trato biliar.
Na colangiografia intra operatória, um contraste radiopaco é injetado diretamente no interior do trato biliar durante a cirurgia.

Biópsia Hepática

Uma amostra de fígado pode ser obtida durante uma cirurgia exploradora. No entanto, mais freqüentemente, ela é obtida através de uma punção biópsia com agulha (inserção de uma agulha através da pele até o fígado). Antes do procedimento, é realizada uma anestesia local. O médico pode utilizar a ultra-sonografia ou a tomografia computadorizada como guia para localizar a área anormal, de onde será coletada a amostra. Na maioria dos centros médicos, as biópsias hepáticas são realizadas em nível ambulatorial. Após a obtenção da amostra, o indivíduo permanece no hospital por 3 a 4 horas, pois existe um pequeno risco de complicação. O fígado pode ser lacerado e pode ocorrer sangramento para o interior da cavidade abdominal.

A bile pode extravasar para o interior da cavidade abdominal e causar peritonite (inflamação do revestimento abdominal). Como o sangramento pode ocorrer até 15 dias após o procedimento, o indivíduo deverá permanecer em um local próximo, distante no máximo uma hora de automóvel do hospital. Em aproximadamente 2% dos indivíduos, essas complicações causam problemas graves e a taxa de mortalidade nesse procedimento é de 1:10.000.

A dor discreta na região superior direita do abdômen, algumas vezes irradiando para o ombro direito, é comum após uma biópsia hepática e ela é normalmente aliviada com a administração de analgésicos. Na biópsia hepática transvenosa, um cateter é inserido em uma veia do pescoço, conduzido através do coração e introduzido em uma das veias hepáticas provenientes do fígado. Em seguida, a agulha do cateter é inserida através da parede da veia até o interior do fígado. Esta técnica apresenta uma menor probabilidade de lesar o fígado do que a a biópsia hepática percutânea e pode ser reailzada mesmo em indivíduos que sangram facilmente.

fonte: Manual Merck